quarta-feira, 17 de junho de 2015

Islamismo

Texto extraído do livro:

O LIVRO DAS RELIGIÕES


O que significa a palavra islã? O islã teve origem na Arábia e ainda hoje está intimamente relacionado à cultura árabe. Entre outras razões, porque o livro sagrado dos muçulmanos, o Corão ou Alcorão, foi escrito em árabe. Em conseqüência, o elemento árabe é importante no islã, embora hoje só uma minoria dos muçulmanos seja árabe. O islã está amplamente difundido em vastas regiões da África e da Ásia, e é praticado por uma sétima parte da população do mundo (por volta de 15%). Atualmente é a segunda maior religião do planeta depois do cristianismo, e grandes levas de imigrantes asiáticos e africanos o transformaram também na maior religião de minorias étnicas na Europa.

A palavra árabe íslam  significa "submissão". É um significado forte. Percebe-se na raiz do nome algo essencial nessa religião: o homem deve se entregar a Deus e se submeter à Sua vontade em todas as áreas da vida. Trata-se da condição para ser muçulmano, palavra árabe que tem a mesma raiz que íslam.

Como religião, o islã não compreende apenas a esfera espiritual, mas todos os aspectos da vida humana e social. A interpretação da lei, o direito, sempre ocupou um lugar relevante na história do islã. Na maioria dos países islâmicos, os que têm conhecimentos jurídicos costumam atuar como líderes religiosos. Não existe um sacerdócio organizado. Uma descrição geral do islã se divide em três tópicos principais:

* credo (monoteísmo e revelação);
* deveres religiosos (os cinco pilares), e
* relações interpessoais (ética e política).
Antes de examinar esses aspectos, porém, é indispensável dizer algo acerca do fundador do islã: Maomé, Mohammed ou Muhammad.

MAOMÉ

Por muito tempo o islã foi conhecido no Ocidente como "maometanismo", em razão da forte influência do profeta Maomé sobre o islã.
O islã, a mais recente das grandes religiões mundiais, remonta a Maomé, que nasceu em Meca, na Arábia, no final do século VI, por volta de 570 d.C. Filho de uma das principais famílias da cidade — importante centro comercial e posto de parada para as caravanas que transitavam pela península Arábica —, Maomé ficou órfão ainda criança. Um de seus tios, Abu Talib, cuidou dele e o sustentou quando ele começou a fazer suas prédicas. Foi esse mesmo tio que levou Maomé a trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, a rica viúva de um mercador, de excelente família, que embora quinze anos mais velha que ele, mais tarde se tornou sua esposa. Khadidja foi a primeira a seguir Maomé quando ele lhe falava das revelações que tinha; ela exerceu bastante influência em seu desenvolvimento religioso.

A FORMAÇÃO RELIGIOSA DE MAOMÉ

Meca era não apenas um importante centro comercial, mas também um dos centros religiosos da Arábia. As tribos nômades que viviam próximas à cidade já consideravam sagrada a pedra negra de Meca, que recebia peregrinações bem antes da época de Maomé. Porém, tanto em Meca como entre os beduínos, cultuavam-se e se adoravam muitos deuses e seres sobrenaturais. Com freqüência, tratava-se de deuses tribais, já que a tribo e a família eram centrais para o modo de vida dos nômades. Não existia nenhum sistema legal fora da tribo.

Se um indivíduo transgredisse as leis e os costumes desta, era expulso como fora-da-lei. A tribo era unida pelos laços desangue. Se um de seus membros fosse assassinado, a linhagem datribo sofria. Essa perda tinha de ser compensada por uma vingança, prática bastante difundida, que resultou em diversas rixas sangrentas entre as tribos beduínas.
Na época de Maomé, em muitos lugares a transição da sociedade beduína nômade para uma sociedade urbana mais fixa ia causando a extinção da religião tradicional. Em decorrência disso, aumentou a influência das duas grandes religiões, o judaísmo e o cristianismo. Maomé foi particularmente influenciado pelo monoteísmo e pela noção de fim do mundo acompanhado do Juízo Final.

Os judeus se estabeleceram em toda a Arábia depois da queda de Jerusalém e da destruição do Templo, no ano 70 d.C, e aos poucos passaram a adotar a língua e o estilo de vida árabes, ao mesmo tempo que mantinham sua própria crença e seu culto mosaico.
Também o cristianismo se espalhou rapidamente por todo o Oriente Médio durante os primeiros séculos da nossa era. Havia Estados cristãos como a Abissínia (atual Etiópia). Muitas tribos beduínas se converteram ao cristianismo, e era possível encontrar cristãos entre os escravos e as camadas inferiores em Meca.

Provavelmente foram os monges e eremitas cristãos, os quais viviam isolados do mundo no deserto da Arábia, que exerceram a maior influência sobre Maomé. A atitude do Corão para com esses cristãos, que estimavam mais a comunhão com Deus do que o comércio, é uma atitude positiva. Devotos e generosos, eles ajudavam os viajantes no deserto.
É necessário que compreendamos o panorama religioso extremamente complexo da Arábia para podermos apreciar o crescimento do islã.

DEUS SE REVELA A MAOMÉ

Todo ano, Maomé se retirava para uma caverna numa montanha dos arredores de Meca, onde meditava. Esse também era o hábito dos monges e eremitas cristãos, que, diferentemente de Maomé, fundamentavam suas meditações em algum texto ou passagem selecionada, em geral dos evangelhos. Ao completar quarenta anos, Maomé teve uma revelação na caverna. O anjo Gabriel de repente lhe apareceu com um pergaminho e ordenou a ele que o lesse. Maomé respondeu que não sabia ler, e o anjo disse:
Recita em nome do teu Senhor, que criou, criou o homem a partir de coágulos de sangue.Recita teu senhor é o mais generoso, que pela pena ensinou ao homem o que ele não sabia.

Em árabe, a palavra recitar tem a mesma raiz que Curan, que significa "ler", ou "ler alto". O Corão é o livro sagrado dos muçulmanos e reúne as revelações de Maomé. Assim, os muçulmanos, do mesmo modo que os judeus e os cristãos, passaram a ter um texto sagrado. O Corão só foi escrito depois da morte de Maomé. Seus 114 capítulos (suras) foram arranjados de maneira tal que os mais longos vêm primeiro, mesmo os que Maomé recebeu numa data posterior aos mais curtos. A exceção é a sura 1, no início do Corão.

DE MECA A MEDINA

Depois de sua revelação, Maomé começou a pregar em Meca. Ele se proclamou profeta ou mensageiro de Deus, o que foi visto pelas famílias poderosas de Meca como uma tentativa de usurpar a autoridade política  da cidade. Grupos importantes também se opuseram a suas afirmações de que Alá era o único e verdadeiro Deus. Se fossem jogar fora todos os velhos deuses e deusas que seus antepassados adoraram, estariam reconhecendo que estes tinham sido pagãos.
A oposição a Maomé cresceu. Após a morte de seu tio e de sua esposa, as coisas pioraram cada vez mais para o profeta e seus seguidores em Meca. Nesse ínterim, Maomé havia atraído outros seguidores na cidade de Medina, os quais estavam prontos para aceitá-lo como um dos seus. Assim, em 622, ele saiu de Meca em segredo e alguns dias depois chegou a Medina, onde seus seguidores já o esperavam.
A emigração de Maomé é conhecida em árabe como a Hijra (Hégira), que significa "rompimento" ou "partida". Maomé rompeu com a própria comunidade, os parentes e sua cidade natal. Não se tratou de uma fuga, mas o fato foi comparado à história bíblica de Abraão que, atendendo à ordem de Deus, deixou seu lar em Ur, na Mesopotâmia.

MAOMÉ COMO LÍDER RELIGIOSO E POLÍTICO

Em Medina, Maomé logo se tornou um líder religioso e político. Assaltando as caravanas que pertenciam às famílias de Meca, conseguiu se firmar financeiramente. Essas atividades faziam parte de sua luta para obter o controle da cidade de Meca, com seu acesso à relíquia sagrada da Caaba, e também para difundir a nova religião. O nome dado a essa batalha, ou luta — jihad —, é o mesmo que mais tarde foi empregado para designar a guerra santa. A luta pela causa de Alá ganha precedência sobre todos os outros interesses, bem como sobre as tradições e os conceitos morais e religiosos herdados do passado.
Na década seguinte, Maomé tomou a cidade de Meca e, por meios militares e diplomáticos, subjugou grande parte da Arábia. Antes de morrer, em 632, ele tinha conseguido unir o país e transformá-lo num só domínio, onde a religião se tornara mais importante que os antigos laços familiares e tribais.

O CISMA NO ISLÃ APÓS MAOMÉ

Quando Maomé morreu, os muçulmanos passaram a ser liderados por califas, ou sucessores. Os três primeiros califas eram parentes do profeta ou estavam entre os primeiros convertidos. O quarto califa, que se chamava Ali, era filho do tio de Maomé, Abu Talib, e portanto seu primo. Mas Ali era também genro de Maomé, casado com sua filha, Fátima.

O cisma no mundo islâmico começou na época de Ali. Sua liderança foi repleta de controvérsias, e ele acabou assassinado pelos adversários. Desde a morte de Maomé, seus seguidores acreditavam que Ali, por ser o parente mais próximo do profeta, era o sucessor natural. O partido de Ali, ou Shiat Ali, formou a base para o ramo do islã que hoje é conhecido como Shia, adotado como a religião oficial do Irã.
Assim, a principal dissidência no islã não foi causada por uma divisão ideológica, mas por um desacordo sobre quem devia ser o líder. A facção xiita (Shiat Ali) acreditava que o líder devia ser um descendente direto do profeta, ao passo que a facção maior, a sunita, julgava que a liderança cabia ao indivíduo que de fato controlava o poder.
Após a morte de Ali,o califado teve sede em Damasco por algum tempo e a seguir instalou-se em Bagdá, onde permaneceu por um período de quinhentos anos. Depois disso, a liderança passou para o sultão turco de Istambul. O último sultão foi derrubado em 1924, e desde então o mundo islâmico deixou de ter um califa como líder.

A DIFUSÃO DO ISLÃ

Não obstante o cisma, o islã se espalhou rapidamente. No século seguinte à morte de Maomé, as duas grandes potências da época, o Império persa e o Império bizantino, entraram em declínio.
O vácuo foi preenchido pelos conquistadores árabes, que tinham uma nova religião pela qual lutar. Partindo do Norte da África, eles atravessaram o estreito de Gibraltar, entraram na Europa e chegaram até Poitiers, na França, onde foram detidos. Durante vários séculos os árabes dominaram a metade sul da península Ibérica, a Andaluzia, onde ainda se encontram vestígios da cultura árabe.

Apesar do colonialismo europeu do século XIX, até hoje o islã predomina no Norte da África, de onde se espalhou por vastas áreas da África Oriental e Ocidental.
Logo que se iniciou, o islã avançou para o Oriente, em direção à Índia e à Indonésia. Quando a Índia, antiga colônia britânica, conquistou sua independência, temendo a explosão de uma guerra entre hindus e muçulmanos, estabeleceu dois Estados separados: a Índia, com maioria hindu, e o Paquistão, com maioria muçulmana. O Paquistão Oriental depois se tornou independente, com o nome de Bangladesh.

Atualmente o grande movimento pan-islâmico se divide em Estados-nações que lutam por uma maior unidade muçulmana internacional, mas também competem entre si pela liderança. Nos últimos anos os países europeus receberam um grande número de imigrantes muçulmanos vindos da África e da Ásia, o que levou o islã a se tornara segunda maior religião da Europa de hoje.

O credo

O credo do islã está resumido nesta curta declaração de fé: "Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta". Esses dois pontos constituem o núcleo da doutrina islâmica: o monoteísmo e a revelação por intermédio de Maomé.

MONOTEÍSMO

Sobre o nome do Deus muçulmano, Alá, é importante observar que não se trata de um nome pessoal, e sim da palavra árabe que significa "Deus". Os judeus e os árabes cristãos já a haviam empregado antes de Maomé. Ela também designava um deus que habitava o céu e que era adorado na antiga Arábia.
A palavra árabe Alá se relaciona etimologicamente com a palavra hebraica El, que é usada na Bíblia para nomear o Deus dos hebreus.
Maomé atacou com veemência o politeísmo dos árabes. Ele ressaltou, assim como fizeram os judeus e os cristãos, a crença num só Deus, que é criador e juiz. Esse Deus criou o mundo e tudo o que nele há, e no último dia irá trazer todos os mortos de volta à vida para julgá-los.

O islã não proíbe que se desfrute a vida na terra, mas lembra que se deve ter sempre em mente o fato de que esta não passa de uma preparação para a vida que começará depois do julgamento divino.
Essa outra vida — seja no céu ou no inferno — é descrita em detalhes no Corão, mas há discordâncias quanto a sua interpretação, que pode ser literal ou metafórica.
A crença num julgamento final após a morte — tão significativa nas pregações de Maomé — é  necessária, segundo muitos muçulmanos, para que o homem assuma a responsabilidade sobre seus atos. A idéia de um julgamento cria um senso moral de dever que é relevante para a comunidade.

No entanto, Deus não é apenas um juiz onipotente; além disso, é repleto de amor e compaixão. Todas as suras do Corão começam com as palavras: "Em nome de Alá, o Misericordioso, o Compassivo". Embora Deus seja aquele a quem todos devem se submeter, também é o que perdoa e auxilia o homem. Uma expressão islâmica corrente, que é sempre repetida no chamado às preces, é "Alá hu Akbar": "Deus é o maior", ou "Deus é maior". Entre outras coisas, isso significa que Deus é maior do que qualquer coisa que possamos compreender. Ele não pode ser comparado com as pretensões humanas. Não pode ser assemelhado a nada, e não há ninguém que seja seu igual.
O homem não merece nada de Deus, não pode invocar direitos sobre nada. A salvação e a fé brotam somente da graça de Deus, e são coisas que os seres humanos podem apenas ter esperança de conseguir.

O fato de que Deus é maior também implica que ele ultrapassa todas as concepções dos mortais. Este é o argumento utilizado pelos muçulmanos para explicar aparentes contradições no Corão.

REVELAÇÃO

Deus falou ao homem por intermédio de seu profeta Maomé, o último de uma linha de profetas que ele enviou à humanidade: Adão, Abraão, Moisés, Davi e Jesus. Originalmente, Maomé se considerava parte da comunidade judaico-cristã. Aos poucos ele se distanciou tanto dos judeus como dos cristãos. Logo de início os judeus apontaram que Maomé cometera erros em sua reinterpretação das narrativas do Antigo Testamento. Maomé não aceitou a acusação: as revelações que recebia eram a Palavra de Deus; assim, os judeus é que deviam ter distorcido o significado de suas escrituras sagradas.
A fim de criar um fundamento histórico para sua nova religião, Maomé se reportou a Abraão e seu filho Ismael, antepassado dos árabes. Ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a sagrada Caaba, que fora erigida por Adão mas destruída pelo dilúvio na época de Noé. Segundo Maomé, os judeus, os cristãos e os politeístas haviam corrompido o monoteísmo original de Abraão.

Quando chegou a Medina — onde havia uma grande população judaica —, Maomé ensinou que se deve orar com o rosto voltado na direção de Jerusalém. Depois do rompimento com os judeus, ficou decidido que o fiel deve se virar de frente para Meca. E a sexta-feira foi designada como o dia festivo da semana em vez do sábado, que é o Shabat judaico.

O ataque mais severo de Maomé contra o cristianismo se dirigiu à Trindade, que, segundo ele, é uma quebra do monoteísmo puro.

O Corão islâmico é, literalmente, a Palavra de Deus. Pode-se ilustrar melhor essa idéia fazendo uma comparação com o cristianismo.

O cristianismo ensina: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (João 1,14). Jesus é a revelação. No islamismo, Maomé é apenas um intermediário, pois a verdadeira revelação ocorre no próprio Corão. No cristianismo a Palavra de Deus se tornou uma pessoa; no islamismo, um livro. Portanto, não é correto comparar Jesus com Maomé e a Bíblia com o Corão. Seria mais apropriado dizer que existe um paralelo entre Jesus e o Corão.
Outra diferença importante entre a Bíblia e o Corão é que a Bíblia é um texto histórico, ao passo que o Corão é "inchado" e existe para sempre. 

Obrigações religiosas — os cinco pilares

As obrigações religiosas dos muçulmanos são consideradas "os cinco pilares":
* o credo;
* a oração;
* a caridade;
* o jejum, e
* a peregrinação a Meca.

1.  CREDO

"Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta." Esse credo é repetido pelos fiéis várias vezes todos os dias e proclamado do alto dos minaretes nas horas de oração. Esse ato de fé se encontra nas paredes das mesquitas. E a primeira coisa que se deve sussurrar ao ouvido da criança recém-nascida e a última a se murmurar no ouvido dos moribundos. O ato de fé é o ponto-chave da religião islâmica.

2. ORAÇÃO

O islã requer que o fiel diga suas preces cinco vezes por dia. Antes de cada um dos cinco horários fixos para a oração, ouve-se o chamado à reza vindo dos minaretes, que são as torres das mesquitas. Antigamente um homem denominado muezim fazia o chamado; hoje, porém, em geral é uma fita gravada que repete as conhecidas palavras:
Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá e Maomé é seu profeta. Vinde para a oração, vinde para a salvação, Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá.

Antes da oração o fiel deve estar ritualmente limpo. Os muçulmanos crêem que as pessoas se tornam impuras em razão de suas funções corporais — inclusive atos sexuais — e, portanto, devem passar por uma purificação. Isso significa lavar o corpo inteiro em água corrente. Em outras ocasiões, basta lavar as mãos e o rosto. Não é raro que haja banhos especiais próximos às mesquitas. Tais regras levaram a um alto padrão de higiene nos países árabes, já desde os tempos antigos (veja as suras 4:46 e 5:8-9).
A maioria das orações islâmicas são fórmulas fixas, um ritual que exige palavras e gestos bem definidos. Embora exista também a oração espontânea, na qual o fiel pode se dirigir a Deus para falar de algo pessoal, a oração ritual deve ser dita em primeiro lugar. Ela consiste sobretudo em louvores a Deus. Uma oração constantemente repetida é a sura 1 — o Exórdio:

Louvado seja Deus, Senhor do Universo, O Caridoso, o Compassivo, Soberano do Dia do Juízo! Só a Ti adoramos, e só a Ti recorremos em busca de ajuda. Guia-nos pelo caminho direito, o caminho daqueles a quem Tu favoreceste, Não daqueles que incorreram na Tua ira, não daqueles que se desviaram.

As cinco orações diárias podem ser ditas em qualquer lugar. A maioria das pessoas possui um tapetinho ou uma esteira especial onde se ajoelham e rezam, e seus gestos são sempre dirigidos para Meca. Os gestos têm tanto valor quanto as palavras; eles enfatizam a submissão do homem — a palavra islã significa isso, "submissão" — e mostram que o corpo e a alma são igualmente importantes.

Sempre que possível, o fiel deve participar das orações da congregação pelo menos uma vez por semana, de preferência numa mesquita. Isso é especialmente relevante nas orações de sexta-feira ao meio-dia, quando o serviço inclui um sermão. "Fiéis, quando fordes chamados para as orações de sexta-feira, apressai-vos a vos lembrar de Deus e cessai vosso comércio" (62:9).

Os que comparecem à mesquita devem estar respeitosamente vestidos, tirar os sapatos antes de entrar e acompanhar os movimentos de quem preside as orações de maneira ordenada e disciplinada. O líder das orações também fica de frente para Meca, isto é, de costas para a congregação.

Normalmente são só os homens que oram no salão principal da mesquita. As mulheres ficam numa galeria, ou escondidas atrás de uma cortina bem no fundo. Qualquer homem adulto muçulmano pode ser um dirigente  das preces, um imã. Não há sacerdócio organizado no islã. Entretanto, em geral o dirigente das orações e responsável pelos sermões tem uma boa educação teológica e é funcionário da mesquita.

3. CARIDADE

A caridade é, na verdade, uma taxa ou um imposto formal sobre a riqueza e a propriedade. Está fixada em 1/40, ou seja, 2,5%, mas as pessoas são incentivadas a dar mais. De acordo com Maomé, essa taxa deve ser tirada dos ricos e dada aos pobres. "Devem-se dar esmolas apenas aos pobres e destituídos; àqueles que se empenham na administração das esmolas e àqueles cujos corações são simpáticos à Fé; para a libertação dos escravos e dos devedores; para o avanço da causa de Deus; e para o viajante em necessidade."
"Caridade" não é uma tradução plena da palavra árabe, pois ela é mais do que um presente. É um dever para o muçulmano, um dever dado por Deus, como diz o Corão.
Quando essa taxa é recolhida e destinada a usos sociais, ela se torna parte da política oficial de redistribuição de um Estado islâmico. O objetivo é diminuir as desigualdades entre ricos e pobres, sem interferir no princípio da propriedade privada.
O dever de dar esmolas também influenciou o desenvolvimento do socialismo islâmico em alguns países.

4. JEJUM

O Corão proíbe os muçulmanos de comer porco, por ser um animal impuro. Proíbe também o álcool. Afora isso, o islã não prega o ascetismo de qualquer espécie. Ao contrário, o Corão diz: "Deus deseja o vosso bem-estar, não o vosso desconforto". A grande exceção é o jejum durante o Ramadan, o nono mês do ano lunar. Entre o nascer do sol e o pôr do sol é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as crianças e as mulheres grávidas ou que estão amamentando são exortados a cumprir o jejum numa data posterior.

A noite essas proibições são suspensas; assim, em diversos lugares a vida noturna é animada e há boa comida e bebida, enquanto muitos fiéis se reúnem nas mesquitas para passar a noite ouvindo o Corão. Ramadan, o mês de jejum, foi o mês em que Maomé teve sua primeira revelação. O jejum simboliza o retiro que cada muçulmano deveria fazer, como fez Maomé.

5. PEREGRINAÇÃO A MECA

Todo muçulmano adulto que dispõe de meios para realizar uma peregrinação a Meca, deve fazê-lo pelo menos uma vez na vida. Ali se encontra o santuário sagrado mais antigo do islã, a Caaba. Trata-se de um edifício quadrado coberto por um pano negro. Num canto da Caaba fica uma pedra negra incrustada na parede; essa pedra tem um enorme significado simbólico.

Para os muçulmanos, Meca e a Caaba são o centro do mundo. Não só os fiéis se voltam para Meca quando oram; também as mesquitas são construídas com o eixo mais longo apontando para lá. Os mortos são enterrados voltados para Meca, e a cidade é o destino das peregrinações.

Meca é visitada todos os anos por cerca de 1,5 milhão de peregrinos, metade dos quais vem de fora da Arábia. O número de peregrinos aumentou de maneira extraordinária depois que se organizaram os vôos charter para lá. A grande mesquita de Meca foi completamente reconstruída e hoje pode abrigar 600 mil pessoas. Só os que podem provar que são muçulmanos recebem visto para entrar na cidade santa.

Quando os peregrinos se aproximam de Meca, passam a usar vestes brancas. Nos dias que se seguem eles irão realizar uma série de ritos, dentro e fora da cidade. A maioria desses rituais enfatiza sua ligação com Abraão ou Maomé, pois ambos mostraram obediência a Deus. O primeiro rito consiste em caminhar em torno da Caaba sete vezes, e muitos tentam beijar a pedra negra. Diz a tradição que essa construção foi erigida por Abraão e Ismael, filho de Abraão com sua escrava Agar.

Outro momento importante é quando os peregrinos se postam no monte Arafat, desde o meio dia até o pôr do sol, sem permissão para proteger a cabeça do calor intenso. Foi no monte Arafat que Adão e Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim do Éden. Os peregrinos  passam várias horas ali juntos, afirmando assim seu pacto com Deus e sua crença de que não há outro Deus.

O clímax vem com o festival dos sacrifícios. Os peregrinos matam um animal (um carneiro, bode, camelo, boi etc). Esse sacrifício serve para lembrar aos muçulmanos que Abraão foi tão obediente a Deus que se dispôs a sacrificar seu próprio filho (embora no islã o filho seja chamado de Ismael, e não de Isaac como nos Livros de Moisés). Deus, porém, foi misericordioso e lhe enviou um animal para que ele o sacrificasse em lugar do filho. Aqui se revela claramente o cerne religioso da peregrinação: a obediência à vontade de Deus.

Relações humanas — ética e política

Tradicionalmente, no islã não há distinção entre a religião e a política, tampouco entre a fé e a moral. Todas as obrigações religiosas, morais e sociais do homem estão estabelecidas na sagrada lei muçulmana, a xariá.

Xariá significa "caminho para o oásis", ou seja, o caminho correto para a conduta humana, que foi mostrado por Deus ao homem. A lei sagrada se expressa sobretudo no Corão, que é muito mais que um texto religioso. Trata-se de um livro de leis que contém instruções fixas e rígidas sobre o governo da sociedade, a economia, o casamento, a moral, o status da mulher etc.

Quando o Corão não dá instruções definitivas, os muçulmanos se voltam para a suna. Eles estudam os exemplos dados por Maomé e pelos califas. Relatos sobre a vida de Maomé e suas pregações foram escritos em coletâneas chamadas hadith, durante os primeiros séculos após a morte do profeta.

Tanto o Corão como as narrativas hadith se referem a um tipo de sociedade que hoje em dia praticamente não existe mais. Portanto, interpretar e adaptar as regras da escritura e da tradição é uma tarefa considerável. Ela pode ser realizada segundo dois princípios diferentes, o da similaridade e o do consenso.

Princípio da similaridade ou analogia.  Para solucionar um problema totalmente novo, encontra-se um exemplo semelhante (ou análogo) no Corão, ou um precedente, e se estuda a base para uma decisão.

Princípio do consenso. Diz-se que Maomé afirmou que os fiéis nunca poderiam concordar coletivamente acerca de algo que estivesse errado. Assim, uma decisão que os fiéis tomam em comum pode ser vista como lei por seus representantes, os especialistas legais. Um exemplo ocorreu quando os líderes religiosos resolveram proibir o café. A decisão foi recebida com protestos tão veementes pelas pessoas comuns que os líderes concordaram em anular a proibição.

O movimento xiita utiliza um terceiro princípio, relacionado com seus conceitos sobre a revelação. Os sunitas afirmam que a revelação vem apenas uma vez, em sua forma final. Porém, para os xiitas ela pode ser contínua, por intermédio de seus líderes, os imãs.
Isso implica que é possível dar novas interpretações da lei, baseadas na "compreensão pessoal" do imã.

Tradição e reforma

Maomé e os primeiros califas eram tanto líderes políticos como religiosos. Tinham a capacidade de usar o Corão como guia em todas as áreas da vida social, sem muita dificuldade.

Em épocas mais recentes, os encontros com a cultura e a economia do Ocidente ocasionaram certas mudanças. No século XIX a Turquia lançou uma série de reformas legais destinadas a facilitar a cooperação com a Europa Ocidental e a dar mais segurança legal aos não muçulmanos que residem dentro de suas fronteiras. O resultado foi a emergência de um sistema legal com dois níveis: a lei sagrada, que se aplica sobretudo aos assuntos particulares, e o direito público, que é secular.

Essa dualidade ficou ainda mais pronunciada em alguns dos novos Estados nacionais que foram surgindo, muitas vezes com líderes influenciados pelos ideais ocidentais.

Além do direito público, fundamentado em princípios legais gerais, muitos países possuem um direito privado, que é da competência de tribunais religiosos especiais. Ele se aplica particularmente aos assuntos de família e de herança. Ao mesmo tempo, há uma pressão cada vez  maior para que os princípios islâmicos sejam a base do direito público, como, por exemplo, da justiça criminal. Em 1972 a Líbia introduziu uma lei de justiça criminal apoiada na xariá. Ela inclui, por exemplo, a proibição de servir e beber álcool. A punição para os ladrões é a amputação da mão direita.

No Paquistão e no Irã, os levantes políticos da década de 1970 intensificaram o domínio do islã sobre a vida social. Todavia, tornou-se óbvio, mesmo na Arábia Saudita, onde a xariá é universal, que é difícil ser totalmente coerente. Há diversas áreas, sobretudo a econômica, onde a xariá não é praticada.

A Turquia é uma exceção no mundo islâmico. Depois que o califa foi deposto, Mustafá Kemal "Ataturk" construiu com seu povo um Estado moderno em linhas ocidentais, onde o Estado e a religião foram devidamente separados. Em 1926 a xariá foi substituída nesse país por um código civil que julga as pessoas segundo uma lei comum, independentemente de religião.

Economia

O Corão tem uma visão favorável da atividade econômica. Menciona em particular o comércio, que era a principal fonte de subsistência em Meca, cidade de trânsito na época de Maomé. O Corão não questiona o direito à propriedade privada, mas há arranjos especiais que impõem certas limitações à riqueza e à propriedade. A mais importante é a proibição dos juros, proibição que não é aplicada de modo uniforme, em particular na área das finanças internacionais.

A obrigação religiosa de dar esmolas passou a ser, na prática, uma taxa ou um imposto sobre a propriedade.

Em vários trechos o Corão alerta que as riquezas se tornam uma tentação que afasta as pessoas de Deus. O pensamento social em que até certo ponto se baseia a idéia de caridade afirma que os ricos devem dar aos pobres. Os políticos de mentalidade reformista transformaram esse princípio numa política

econômica de cunho socialista. Na maioria dos países árabes impera o mercado livre na economia.

As mulheres no islã

Duas citações do Corão demonstram como este pode ser usado para fundamentar duas visões bem diferentes do papel da mulher: "Os homens têm autoridade sobre as mulheres porque Deus os fez superiores a elas" (sura 4:31). "As mulheres devem, por justiça, ter direitos semelhantes àqueles exercidos contra elas" (sura 2:228).

O contraste no tratamento de homens e mulheres é visível numa série de áreas da vida social, sobretudo nas leis relativas ao casamento. Mas, como muitos estudiosos islâmicos já indicaram, há também uma série de leis que protegem as mulheres dentro do casamento. Quando o contrato de casamento é assinado, o marido paga um dote que permanece propriedade da esposa e não pode ser usado sem o consentimento dela.

A mulher só pode ter um marido, ao passo que os homens podem ter até quatro esposas. A poligamia para os homens não era rara no Oriente Médio na época de Maomé. A exigência deste de que um homem não deve tomar mais esposas do que pode sustentar teve muitos efeitos positivos em sua época. Hoje, a poligamia é proibida na Turquia e na Tunísia.

O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado pelo marido, que é responsável pelo lado financeiro do casamento. Há regras e condições abrangentes destinadas a evitar o excesso de facilidades para o divórcio, o qual, segundo Maomé, é "a atividade legal menos preferida por Deus". O índice de divórcios nos países árabes é o mais alto do mundo.

O marido também tem o direito de punir fisicamente a esposa se ela for desobediente. "Quanto àquelas de quem temes desobediência, deves admoestá-las, enviá-las a uma cama separada e bater nelas", diz a sura 4.

Diferentemente da circuncisão para os homens, a excisão do clitóris (mutilação genital feminina) não é obrigatória para as mulheres; tampouco se menciona tal mutilação no Corão. Mesmo assim, ela é praticada com freqüência no Norte da África. Nos anos recentes, porém, vem encontrando forte oposição por causa de seus efeitos negativos sobre a vida sexual da mulher.

Nem mesmo a tradição de usar véu, ou chador, deriva do Corão, mas ela se difundiu por amplas áreas geográficas, independentemente da religião. Em sua origem, tal moda se limitava às classes superiores, não tendo penetração na sociedade agrícola, onde as mulheres deviam trabalhar no campo. A luta contra o véu vem sendo uma questão predominante na modernização de muitas nações árabes; entretanto, o reavivamento islâmico dos anos recentes também fortaleceu o apoio ao véu.

A filosofia no islã

O islã se espalhou pela Ásia e pela África, mas foi a conquista da Espanha que mais afetou a história européia. Entre os séculos VIII e XV, os árabes dominaram a parte sul da Espanha. Eles romperam com o califa de Bagdá e estabeleceram seu próprio califado em Córdoba.
Essa cidade se tornou um centro cultural que atraía estudiosos de todo o mundo muçulmano, e demonstrava grande tolerância para com os judeus e os cristãos. A cultura hispano-moura passaria a exercer forte influência na Europa, não só na arquitetura e na literatura, mas também na filosofia. Foi graças aos filósofos árabes do Sul da Espanha que a Igreja católica descobriu Aristóteles, filósofo clássico da Grécia que haveria de desempenhar um papel considerável na formação do pensamento católico durante a Idade Média.

AVERRÓIS DE CÓRDOBA

O maior dos filósofos de Córdoba foi Ibn Ruchd, ou Averróis (1126-98). Ele acreditava que era seu dever defender a filosofia e a ciência, numa época em que forças poderosas dentro do islã desejavam impedir todo pensamento independente. Averróis foi um muçulmano devoto que aceitava a autoridade de Maomé e não questionava a veracidade do Corão. Acreditava, no entanto, que as afirmações do Corão podiam ser interpretadas de várias maneiras. O Corão é escrito para todas as pessoas, tanto cultas como ignorantes, e portanto utiliza um estilo alegórico bem específico. Os que não têm instrução precisam imaginar Deus sob uma forma humana e o paraíso como um lugar de confortos materiais. Contudo, comentava Averróis, os indivíduos mais esclarecidos percebem que esses conceitos são apenas símbolos que carregam um significado espiritual.
Averróis desejava combinar a religião com o pensamento filosófico e científico, mas a oposição a esse ponto de vista não parou de crescer. Nos séculos que se seguiram à morte de Averróis, os estudiosos muçulmanos se concentraram no estudo das escrituras e da tradição. No século XX, porém, novas idéias de reforma e liberalização vêm sendo debatidas, e muitos muçulmanos têm tentado adaptar sua religião às condições atuais e à ciência moderna.

O SUFISMO— O MISTICISMO DO ISLÃ

Os primeiros séculos da história do islã foram dominados pelas  atividades externas, pela guerra e pela diplomacia. Entretanto, logo surgiu um movimento que incentivava a reclusão e a meditação. Essa tendência recebeu o nome de sufismo, provavelmente em virtude das vestes de lã usadas por seus seguidores (a palavra árabe para "lã" é suf).
Os ideais do islã podem não incluir o ascetismo, mas apelam para que se adote uma atitude séria em relação ao Juízo Final, num estilo de vida simples e responsável. Por isso muitos muçulmanos se indignaram com a vida luxuosa que passara a reinar na corte do califa de Bagdá. Eles desejavam levar uma vida puritana, de jejum, oração e meditação.
Ao mesmo tempo, o conceito divino ia se alterando. Os sufis acreditavam que Deus era, acima de tudo, um Deus amoroso com quem o homem podia alcançar uma união mística. Esse pensamento parecia contrastar substancialmente com a idéia de Deus como o juiz exaltado, inacessível, a quem o homem deve se submeter. Em conseqüência, os primeiros místicos logo entraram em conflito com a corrente principal do islã. Em certos casos foram acusados de blasfêmia por causa de seu conceito de Deus. Um dos místicos que mais se destacaram foi executado. Tratava-se de Halladj, que acreditava que Deus passara a morar dentro dele, e que, portanto, havia total unidade e harmonia entre Deus e ele. Para os sufis, Jesus era tão importante como Maomé, e muitas palavras atribuídas a Maomé lembram palavras de Jesus registradas nos evangelhos, como, por exemplo: "Eu sou a verdade", "Quem me vir, verá a Ele", e também, quando foi crucificado: "Perdoai-os, Senhor, tende piedade deles". Em suma, no início do sufismo Jesus representou um papel importante como ideal ascético.

Um século e meio depois de Halladj, Ghazali tentou combinar a devoção do sufismo com os dogmas da corrente principal do islã. Ghazali foi um dos maiores pensadores do mundo. Nem o estudo da filosofia, nem o da lei o satisfizeram. Após uma longa busca, ele tomou o caminho do misticismo, onde todos os desejos e todas as preocupações são afastadas para que o pensamento possa se concentrar em Deus. A conclusão de Ghazali foi que a verdade mística, real e última não pode ser aprendida, mas deve ser experimentada por meio do êxtase.

Em seu cerne, o misticismo sufi tem características comuns com o misticismo de outras religiões. O sufismo também usa exercícios especiais de meditação, como, por exemplo, uma oração ou uma palavra que é repetida continuamente, por vezes acompanhada de determinados movimentos ou exercícios de respiração. Trata-se de uma técnica para entrar em transe. Um auxílio usual é o rosário e a repetição dos "99 mais belos nomes de Deus".
O sufismo não é uma tendência organizada. Encontram-se sufistas tanto entre os muçulmanos xiitas como entre os sunitas. 

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