Texto extraído do livro:
O LIVRO DAS RELIGIÕES
A
VIDA DO BUDA
O
fundador do budismo foi o filho de um rajá, Sidarta Gautama (560-480 a.C.), que
viveu no Nordeste da Índia. Sobre sua vida há várias histórias, mais ou menos
lendárias, mas os pontos de maior destaque são os seguintes:
O
PRÍNCIPE SIDARTA
O
príncipe Sidarta cresceu no seio da fortuna e do luxo. O rajá ouvira uma
profecia de que seu filho ou se tornaria um poderoso governante ou tomaria o
caminho oposto e abandonaria o mundo por completo. Esta última opção
aconteceria se lhe fosse permitido testemunhai as carências e o sofrimento do
mundo. Para evitar que isso ocorresse, o rajá tentou proteger o filho contra o mundo
que ficava além das muralhas do palácio, ao mesmo tempo que o cercava de
delícias e diversões. Ainda jovem, Sidarta se casou com sua prima e mantinha
também um harém de lindas dançarinas.
A
VIRADA
Aos
29 anos Sidarta experimentou algo que haveria de ser o ponto crucial de sua
vida. Apesar da proibição do pai, ele se arriscou a sair do palácio e viu, pela
primeira vez, um velho, um homem doente e um cadáver em decomposição.
Entretanto, depois dessas impressões desanimadoras, avistou um asceta com a expressão
radiante de alegria. Percebeu então que uma vida de riqueza e prazer é uma
existência vazia e sem sentido. E se perguntou: haverá alguma coisa que
transcenda a velhice, a doença e a morte? Sidarta também se sentiu tomado por
uma grande compaixão pela humanidade e um chamado para livrá-la do sofrimento.
Imerso em pensamentos, voltou ao palácio e na mesma noite renunciou à sua
agradável vida de príncipe. Sem se despedir, abandonou esposa e filho, e partiu
para uma vida de andarilho.
A
ILUMINAÇÃO
As
narrativas relatam que Sidarta, depois de uma vida de abundância, passou para o
extremo oposto: os exercícios ascéticos.
Obrigou-se
a comer cada vez menos, até que finalmente, segundo a lenda, conseguia
sobreviver com um único grão de arroz por dia.
Dessa
maneira ele esperava dominar o sofrimento; mas nem os exercícios de ascetismo
nem a ioga lhe deram o que procurava.
Assim,
ele adotou o "caminho do meio", buscando a salvação por meio da
meditação. E, aos 35 anos, após seis anos de vida ascética, alcançou a
iluminação (bodhi), enquanto estava sentado em meditação sob uma figueira, à
margem de um afluente do rio Ganges. Sidarta agora se transformara num buda, ou
seja, um "iluminado": alcançou a percepção de que todo o sofrimento
do mundo é causado pelo desejo. É apenas suprimindo o desejo que podemos
escapar de outras encarnações.
Durante
sete dias e sete noites o Buda ficou sentado debaixo de sua árvore da
iluminação. Ganhou dessa forma a compreensão de uma realidade que não é
transitória, uma realidade absoluta acima do tempo e do espaço. No budismo isso
se chama nirvana. Ao dominar seu desejo de viver, que antes o atava à
existência, o Buda parou de produzir carma e, portanto, não estava mais sujeito
à lei do renascimento. Conseguira alcançar a salvação para si mesmo, e o
caminho estava aberto pata abandonar o mundo e entrar no nirvana final. O deus
Brahma, porém, instou com ele para que difundisse seus ensinamentos. E então,
mais uma vez, o Buda sentiu compaixão pelos outros seres humanos e por todos os
seres vivos. Ele "contemplou o mundo com um olhar de Buda" e decidiu
"abrir o portão da eternidade" para aqueles que o quisessem ouvir. O
Buda decidira se tornar um guia dos seres humanos.
BUDA
E SEUS DISCÍPULOS
Buda
seguiu então para Benares, que já naquela época era um centro religioso. Ali
deu sua primeira palestra — o famoso sermão de Benares, que contém os elementos
mais importantes de seus ensinamentos. As "rodas da instrução" tinham
sido postas em movimento.
Diversos
monges mendigos seguiam Buda, e durante mais de quarenta anos ele e seus
discípulos vagaram pela região nordeste da Índia.
Desde
o início os seguidores de Buda se dividiram em dois grupos, os leigos e os
monges, cada um com seus próprios deveres. Quando Buda tinha por volta de
oitenta anos, de repente adoeceu e decidiu se despedir dos discípulos. Antes de
morrer, voltou-se para o triste rebanho dos discípulos a seu redor e disse:
"Talvez
alguns de vós estejam pensando: 'As palavras do mestre pertencem ao passado,
não temos mais mestre'. Mas não é assim que deveis ver as coisas. O darma
(instrução) que vos dei deve ser o vosso mestre depois que eu partir".
Os
ensinamentos de Buda
A
LEI DO CARMA
O
budismo cresceu dentro do hinduísmo como um caminho individual para a salvação.
As duas religiões têm muitos conceitos em comum: as doutrinas do renascimento,
do carma e da salvação.
Para
Buda, um ponto de partida óbvio é que o ser humano é escravizado por uma série
de renascimentos. Como todas as ações têm conseqüências, o princípio propulsor
por trás do ciclo nascimento-morte-renascimento são os pensamentos do homem,
suas palavras e seus atos (carma).
Também
nós podemos passar pela experiência de ver que certas coisas que pensamos ou
fizemos em determinada época da vida nos afetaram mais tarde. Podemos sentir
que nosso passado nos alcançou. É essa mesma idéia que percorre o hinduísmo e o
budismo. A diferença é que os orientais vêem essa relação como algo
estritamente regulado — e que se estende de uma vida a outra. O tipo de vida em
que o indivíduo vai renascer depende de suas ações em vidas anteriores. O homem
colhe aquilo que plantou. Não existe "destino cego" nem "divina
providência". O resultado flui automaticamente das ações. Portanto, é tão
impossível fugir de seu carma quanto escapar de sua própria sombra. Enquanto o
ser humano tiver um carma, ele está fadado a renascer.
Embora
se possa dizer que a lei do carma possui um certo grau de justiça, ela é vista,
no hinduísmo e no budismo, como algo um tanto negativo, algo de que se deve
escapar. Assim, a salvação consiste em ser libertado do círculo vicioso dos
renascimentos. A eterna série de reencarnações costuma ser comparada a um rio
que separa o homem do nirvana. O objetivo do budismo, comum com os outros
caminhos indianos para a salvação, é encontrar a "passagem" por onde
se pode atravessar para a outra margem.
VISÃO
DA HUMANIDADE
Num
aspecto importante, porém, os ensinamentos de Buda são diferentes do consenso
indiano em geral. O hinduísmo acredita que o homem tem uma alma individual
eterna (atmã), a qual sobrevive de uma existência para outra. Assim como uma
pessoa descarta suas roupas velhas e gastas, a alma vai se revestindo de outros
corpos, sempre renovados. É a alma do homem — seu eu mais íntimo — que está
acorrentada à reencarnação. A alma do homem também é considerada idêntica,
total ou parcialmente, ao espírito universal (Brahman).
Buda
rompe radicalmente com essa doutrina ao negar que o ser humano tenha alma e ao
rejeitar a existência de um espírito universal. De acordo com o budismo, a alma
é tão fugaz como tudo o mais neste mundo. O fato de um homem achar que é um
"eu", ou uma alma, baseia-se na ignorância, e essa ignorância tem
conseqüências graves, uma vez que promove o desejo, e é o desejo que cria o
carma do indivíduo.
O
budismo vê a vida humana como uma série ininterrupta de processos mentais e
físicos que alteram o homem de momento a momento. O bebê não é a mesma pessoa
que o adulto, e o adulto não é a mesma pessoa que era ontem. E como as imagens
numa tela de cinema: movem-se muito depressa e não conseguimos perceber que o
filme é "artificial", que não é algo "vivo". Na realidade,
o filme é a soma das imagens individuais — ou de uma série de instantes.
"De
nada mais posso dizer: 'Isto é meu'", ensinava Buda, "e de nada posso
dizer: 'Isto sou eu.'" Ambas as coisas são ilusões. Não há um núcleo
imutável da personalidade, não existe um "eu", um ego. Tudo é
constituído de fatores existenciais impessoais que formam combinações fadadas a
decair. Tudo é transitório.
AS
QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO
Depois
de experimentar sua iluminação debaixo da figueira, Buda fez o sermão de
Benares, em que apresentou as quatro nobres verdades sobre o sofrimento. Elas
demonstram que tudo é sofrimento; que a causa do sofrimento é o desejo; que o
sofrimento cessa quando o desejo cessa; e que isso se consegue seguindo o
caminho das oito vias. Em outras palavras: Buda faz primeiro um diagnóstico,
mostrando que a condição do homem é de doença (primeira nobre verdade). Ele
então indica a causa da doença (segunda nobre verdade). Afirma, no entanto, que
a doença é curável (terceira nobre verdade), e por fim dá uma descrição
detalhada de como a doença deve ser tratada, receitando uma cura de oito pontos
(quarta nobre verdade). Assim, Buda assume o papel de médico; é por isso que os
textos budistas o chamam de "o grande médico".
A
primeira nobre verdade determina que tudo no mundo é sofrimento. "Nascer é
sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não
gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o
que queremos é sofrer." Em termos budistas o sofrimento implica algo mais
do que mero desconforto físico e psicológico.
Pode-se
dizer que a existência como um todo é manchada pelo sofrimento, pois tudo é
passageiro. A pessoa que não consegue perceber que o mundo, do ponto de vista
do ser humano, é inadequado, é uma pessoa cega. Mas isso não significa que o
budismo negue toda felicidade material e mental. Ele reconhece que existe
alegria tanto na família como no mosteiro. Todavia, tudo aquilo que amamos e a
que nos apegamos simplesmente não vai durar.
Na
segunda nobre verdade, Buda afirma que o sofrimento é causado pelo desejo do
ser humano. O desejo implica sobretudo desejar com os sentidos, a sede de
prazeres físicos.
Como
essa ânsia nunca pode ser plenamente saciada, ela sempre irá acarretar um
sentimento de desprazer. Até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano
contribui para manter o sofrimento. Enquanto ele se apegar à vida — e continuar
acreditando que tem uma alma —, irá perceber o mundo como sofrimento. O budismo
também rejeita o extremo oposto. O desejo de anulação — ou desejo de morrer —
igualmente amarra o ser humano à existência. Em primeiro lugar, um tal desejo
pressupõe que o ser humano tem uma alma que pode ser eliminada; em segundo, não
leva em consideração o carma, que impõe o renascimento. Tirar a própria vida
não resolve nada no budismo. Isso não irá libertar a pessoa do eterno ciclo.
A
terceira nobre verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Isso acontece
quando o desejo cessa. E quando o desejo cessa, começa o nirvana. Um
pré-requisito necessário para suprimir o desejo é que a ignorância do homem
deve ser enfrentada, pois ela é a causadora do desejo. Assim, só o homem que
não enxerga sente desejo. A ignorância leva ao desejo, o desejo leva à
atividade, a atividade traz consigo o renascimento, e o renascimento origina
mais ignorância. Aqui se descreve um círculo vicioso, e para que este círculo
vicioso — ou "corrente da causalidade" — seja rompido, o homem deve
atacar a raiz do problema: sua própria ignorância.
A
quarta nobre verdade afirma que o homem pode ser libertado do sofrimento — e do
renascimento — seguindo o caminho das oito vias.
O caminho das oito vias
Com
base em sua própria experiência, Buda acreditava que o homem deve evitar os
extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na
autonegação exagerada. Ambos os extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim,
à "roda da vida".
O
caminho para dar fim ao sofrimento é o "caminho do meio", e Buda o
descreveu em oito partes: (1) perfeita compreensão; (2) perfeita aspiração; (3)
perfeita fala; (4) perfeita conduta; (5) perfeito meio de subsistência; (6)
perfeito esforço; ( 7) perfeita atenção, e (8) perfeita contemplação.
Perfeita
compreensão e perfeita aspiração. É a ignorância do homem que põe a roda da
vida em movimento. Portanto, o homem deve construir sua compreensão sobre como
o mundo funciona. Isso significa, entre outras coisas, compreender as verdades
acerca do sofrimento e o ensinamento de Buda de que o homem não tem alma.
Em
seguida, o homem deve se dedicar a lutar contra o desejo, que é a raiz do
sofrimento. Deve também evitar o ódio e a luxúria, ambos causados pela crença
equivocada num "eu" distinto e separado do ambiente em torno. Por
último, o homem deve olhar para o Buda como um ideal.
Perfeita
fala, perfeita conduta, perfeito meio de subsistência. Esses pontos estabelecem
a ética do budismo, seu código moral. Perfeita fala significa que o homem deve
se abster de contar mentiras, fazer intrigas e ter conversas vazias, e que deve
falar com seus semelhantes de um modo verdadeiro, amigável e carinhoso. Para o
budista, ficar em silêncio também está incluído na fala perfeita.
Perfeita
conduta significa seguir os cinco mandamentos que se aplicam a todos os
budistas: não matar nenhum ser vivo, não roubar, não ser sexualmente promíscuo,
não mentir e não tomar estimulantes. Mais tarde, foram acrescentados outros
mandamentos enunciados na forma positiva. Diversos textos budistas ressaltam a
utilidade de dar presentes e realizar serviços para os outros. Estudar a
doutrina e disseminá-la também faz parte da perfeita conduta. Um aspecto do
perfeito meio de subsistência é que se deve escolher um trabalho que não
contrarie os cinco mandamentos. Por exemplo, um açougueiro, um comerciante de
vinhos, um fabricante de armas ou um soldado profissional teriam de encontrar
uma profissão alternativa se quisessem permanecer budistas.
Perfeito
esforço, perfeita atenção e perfeita contemplação. Esses três pontos finais se
relacionam com a maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo e purificar
sua mente. Perfeito esforço significa que o budista não deve deixar que
pensamentos ou estados de espírito destrutivos intervenham; e se já estão
presentes, deve tentar expulsá-los antes que tenham efeitos palpáveis. Perfeita atenção é um precursor do último
item. A autocontemplação é o meio pelo qual o budista alcança pleno controle
sobre o corpo e a mente. Uma vez conseguido isso, ele está pronto para iniciar
a meditação propriamente dita.
O
budismo tem uma doutrina abrangente sobre os vários níveis e estágios da
meditação. Durante a meditação, todos os músculos se relaxam, possivelmente
também pelo fato de o praticante sentar numa posição especial de ioga. Toda a
concentração deve focalizar uma só coisa. Esta pode ser um objeto, uma palavra
ou a própria respiração. A psicologia budista hoje ensina que a mente humana se
compõe de duas partes: uma superficial, que é excitada pelos sentidos, e as profundezas
da mente, que são tranqüilas e imóveis. O objetivo da meditação é acalmar a
superfície perturbada. Quando isso acontece, o budista perde todo sentido do
tempo e do espaço, e todas as ilusões sobre "eu" e "meu"
desaparecem. É nesse ponto que ele pode ter esperança de alcançar a plena
iluminação (bodhi), na qual atinge uma compreensão perfeita das "quatro
nobres verdades", deixando de enganar a si mesmo sobre a existência e se
libertando da lei do carma. O budista agora se tornou um arhat (isto é,
"venerável"), o que significa
que não irá mais renascer. E quando morrer, atingirá o eterno nirvana.
Nirvana
Qual
foi a verdade que Buda alcançou debaixo de sua figueira? Suas idéias
fundamentais eram profundamente pessimistas, como já vimos. Tudo o que existe
no mundo é (a) sem autonomia, (b) transitório, e, em conseqüência, (c) pleno de
sofrimento. Assim, ele não via esperança enquanto o homem estivesse preso nesse
ciclo.
Contudo,
existe algo eterno, algo fora do sofrimento. O budista chama a isso de nirvana.
Essa palavra significa, na verdade, "apagar", uma referência ao fato
de que o desejo "se extingue" quando se atinge o nirvana. A imagem
representa o desejo como uma chama que se apaga quando o combustível termina— o
combustível é a luxúria humana, o ódio e a ilusão.
As
descrições do nirvana em textos budistas costumam ser expressas em termos
negativos. Uma vez que o nirvana é o oposto direto do ciclo do renascimento,
uma vez que ele não pode ser comparado a nada em nossa vida diária, só é
possível dizer o que o nirvana não é. Poderíamos talvez descrever o nirvana como
uma quinta dimensão, divorciada de nossa existência quadridimensional.
Poucos
textos budistas, porém, descrevem o nirvana em termos positivos.
Uma
condição para alcançar o nirvana é que o budista encontre a iluminação (bodhi),
exatamente como ocorreu com o Buda debaixo de sua figueira. Logo, as boas obras
por si sós não bastam para o nirvana. Entretanto, um estilo de vida
irreprochável pode levar a bons renascimentos, que mais tarde poderão
possibilitar o encontro da iluminação. Buda, segundo se conta, nasceu 547 vezes
antes de finalmente chegar lá.
Um
estado em que todo o carma já foi esgotado e a lei do renascimento foi rompida
— é isso que o nirvana descreve. Assim, o nirvana é uma condição que se pode
experimentar aqui e agora. Pode ser tão intensa que o budista sente que ela
está queimando o mundo inteiro. E quando ele enfim volta para o mundo, tudo o
que encontra são cinzas frias.
O
nirvana final, que a pessoa atinge quando morre, é irreversível. Por vezes ele
é designado no budismo por um termo especial, parinir-vana, isto é, "extinção absoluta", ou
"extinção última".
Ética
Quando
o Buda alcançou a iluminação depois de sua meditação, o deus Brahma foi até ele
e lhe pediu que levasse seus ensinamentos para outras pessoas. E mais uma vez
Buda sentiu compaixão pelos seres humanos e por todos os outros seres vivos.
"Contemplou
o mundo com olhar de Buda" e decidiu "abrir o portão da
eternidade" para os que quisessem ouvir. Buda decidiu se tornar guia do
ser humano.
Essa
atitude serve de exemplo para outros budistas, pois a vida de Buda é um ideal
que os exorta a se comportar eticamente. A compaixão e o amor são centrais na
ética budista. Não só as ações, mas também os sentimentos e afetos são
importantes. A caridade que fazemos não apenas afeta os outros, mas contribui
para enobrecer nosso próprio caráter.
Os
cinco mandamentos
Para
a vida diária o budismo tem cinco regras de conduta:
1.
Não fazer mal a nenhuma criatura viva.
2.
Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar).
3.
Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais.
4.
Não falar falsidades.
5.
Não se entorpecer com álcool ou drogas.
Essas
regras de conduta costumam ser chamadas de cinco mandamentos, porém o budismo
não reconhece nenhum ser superior capaz de dar ordens à humanidade sobre como
viver. Assim, as regras não dizem "farás isso" ou "não farás
aquilo". Elas são formuladas da seguinte maneira: "Tentarei ensinar a
mim mesmo a não fazer mal a nenhuma criatura viva".
1.
NÃO FAZER MAL A NENHUMA CRIATURA VIVA.
Esta
é considerada a mais importante das cinco virtudes. Nem um outro ser humano nem
os animais devem ser prejudicados. O ser humano é o mais importante, já que é
superior aos animais. Os budistas consideram o pacifismo um ideal, embora nem
todos os budistas sejam pacifistas. Também os países budistas já travaram
guerras, e muitas pessoas acreditam que essa regra pode ser quebrada quando se
trata de autodefesa. Entretanto, um texto budista afirma que o soldado
profissional que morrer em batalha renascerá no inferno ou então como animal.
Para
o budista, a vida começa na concepção; desse modo, o aborto infringe essa
primeira regra. Só que os métodos anticoncepcionais normalmente são permitidos.
O
suicídio também é uma violação da regra, mas não se a pessoa sacrificou sua
vida por outra vida. Durante a Guerra do Vietnã, vários monges budistas atearam
fogo às próprias vestes para despertar a consciência internacional.
Não
há um vegetarianismo coerente no budismo, ainda que muitos monges excluam a
carne de sua dieta. Supõe-se que Buda também concordou que se comesse carne,
desde que a pessoa estivesse certa de que o animal não fora morto especialmente
para ela. Matar uma mosca com um tapa é pior. Como vemos, o motivo e a intenção
são relevantes.
2. NÃO TOMAR AQUILO QUE NÃO LHE FOI DADO.
Isso
não se refere simplesmente ao roubo, mas também à trapaça de todos os tipos.
Podemos considerar que é uma regra acerca da correção nos negócios e da ética
no trabalho.
3.
NÃO SE COMPORTAR DE MODO IRRESPONSÁVEL NOS PRAZERES SENSUAIS.
Essa
regra se refere às atividades sexuais que podem prejudicar os outros: estupro,
incesto e adultério. A atitude para com o adultério varia segundo os costumes
locais. O budismo não abrange apenas sociedades monogâmicas, mas também culturas cuja tradição engloba a
poligamia e a poliandria. Já o homossexualismo é sempre considerado uma quebra
dessa regra.
Essas
três primeiras regras se relacionam às atividades humanas e se incluem no item
"perfeita conduta"do caminho das oito vias. O item "perfeita
fala" abrange a próxima regra.
4.
NÃO FALAR FALSIDADES.
A
verdade é extremamente importante no budismo, mas essa regra não trata apenas
da mentira. Ela também alerta contra as respostas maldosas, a fofoca, a ira e
as conversas fúteis. O homem deve falar com seus semelhantes de modo
verdadeiro, amigável e devotado. Até mesmo ficar em silêncio faz parte da
perfeita fala.
5.
NÃO SE ENTORPECER COM ÁLCOOL OU DROGAS.
Ficar
entorpecido ou embriagado implica não poder se concentrar nas regras que devem
ser seguidas. O budismo não é tão rigoroso contra o álcool quanto o islã.
Outras
regras mais estritas
Em
certos períodos, alguns leigos se submetem a uma disciplina mais estrita.
Alguns vão mais longe, seguindo as mesmas regras que se aplicam aos monges e
monjas noviços. Nesse caso, as cinco regras passam a incluir, por exemplo, a
abstinência sexual (celibato).
Além disso, há outras cinco regras:
*
Não comer em horas proibidas (por exemplo, após o meio-dia).
*
Afastar-se de todos os divertimentos mundanos.
*
Abdicar de todos os luxos (como jóias, perfumes etc).
*
Não dormir numa cama macia nem larga.
*
Não aceitar nem possuir ouro, prata ou dinheiro.
O
PERFEITO MEIO DE SUBSISTÊNCIA
O
quinto estágio do caminho das oito vias é o perfeito meio de subsistência.
Significa, entre outras coisas, que se deve escolher um meio de vida que não
obrigue à infração das cinco regras de conduta.
Embora
um budista possa comer carne, não deve ser açougueiro.
Embora
possa tomar um copo de vinho, não deve ser comerciante de vinhos. Embora sirva
ao exército de seu país, não deve ser um negociante de armas.
A
melhor de todas as vidas é a do monge, pois ele pode se devotar inteiramente ao
caminho das oito vias.
O
VALOR DA DOAÇÃO
As
cinco regras de conduta estão expressas na forma negativa, mas quando são
seguidas, seus aspectos positivos aparecem. O oposto de fazer mal é demonstrar
amor e compaixão. O oposto de roubar é dar. Uma das coisas mais positivas que
um budista pode fazer é dar presentes. Isso significa sobretudo fazer doações
para as sociedades monásticas, que dependem totalmente da caridade dos leigos.
Tais presentes elevam o carma da pessoa. Mas dar com a intenção de obter algo
em troca não basta. Quanto mais puro o motivo para dar, melhor carma trará.
Buda
exortava os que desejavam lhe querer bem a querer bem aos doentes. Muitos
mosteiros se empenham em trabalhos humanitários. Os budistas se preocupam
especialmente em cuidar dos moribundos. A morte é um momento decisivo em
relação ao nascimento; portanto, o objetivo é ter uma boa morte.
A
COABITAÇÃO E O PAPEL DAS MULHERES
O
casamento não é sagrado para os budistas, mas apenas um tipo de acordo entre as
partes. Por esse motivo os monges não celebram casamentos. No Japão, quando os
budistas se casam, procuram um sacerdote xintoísta. O divórcio, embora ainda
pouco comum na maioria das culturas budistas, também não é uma questão
religiosa.
O
marido deve mostrar respeito para com sua mulher, e esta, por sua vez, deve
cumprir seus deveres domésticos. Apesar de várias mulheres em países budistas
desfrutarem de uma posição elevada, normalmente se considera menos vantajoso
renascer como mulher do que como homem.
A vida religiosa
MONGES,
MONJAS E LEIGOS
Buda
criou uma nova ordem, a sociedade monástica, independente do sistema de castas.
Para seguir à risca os ensinamentos do Buda, era necessário deixar para trás
todos os cuidados e as preocupações relativas à família e à vida social. Até
hoje a ordem monástica constitui a espinha dorsal da vida religiosa na maioria
das terras budistas.
Dessa
maneira, ao considerara vida religiosa budista, é importante distinguir entre
os monges e as monjas, por um lado, e, por outro, os leigos. Monges e monjas
têm regras de conduta muito mais estritas do que os leigos. Em primeiro lugar,
há as dez regras, que também se aplicam aos noviços; além disso, há várias
centenas de outros mandamentos e in-junções que definem tais regras com mais
precisão.
Como
já vimos, os monges e as monjas levam uma vida de simplicidade e pobreza. Desde
os dias do Buda, costumam obter o pouco de que necessitam para sobreviver
pedindo esmolas, o que não é tido, de modo nenhum, como degradante. Pelo
contrário: para o leigo, é uma honra dar esmolas aos monges. Em alguns lugares
os monges esmolam nas ruas, de porta em porta. Monges vestidos com seu hábito cor
de açafrão pedindo comida (em geral arroz) pelas ruas é uma cena comum nos
países budistas do Sudeste asiático. Em outras regiões, a tarefa de esmolar
adquire uma forma mais organizada; por exemplo, cada casa de família é
responsável pela comida do mosteiro em certos dias da semana.
Um
mosteiro budista não fica isolado da vida da cidade ou da aldeia. Não são
apenas os leigos que têm deveres para com os monges; estes também têm suas
responsabilidades para com os leigos. Em determinados dias, instruem os leigos
sobre os ensinamentos do Buda. As pessoas comuns podem ainda passar temporadas
em retiro num mosteiro, a fim de meditar ou receber instrução especial. Isso
costuma acontecer na época das monções. Em países devotamente budistas, como
Birmânia e Tailândia, é comum todos os meninos permanecerem algum tempo num
mosteiro, aprendendo budismo.
Assim,
podemos dizer que os dois grupos — monges e leigos — são interdependentes.
Mesmo que um budista não venha a se tornar um monge em sua vida atual, se ele
ajudar a sustentar um mosteiro, pode aspirar a ser um monge na próxima
encarnação.
O
CULTO
Em
tempos antigos o culto religioso consistia inteiramente em venerar as relíquias
do Buda ou de outros homens santos. Originalmente as relíquias eram guardadas em
pequenos montes de terra (stupas). Aos poucos estas se transformaram naquelas
construções características, em forma de sino ou de domo, que hoje chamamos de
pagodes.
A
partir do século I a.C., tornou-se comum produzir imagens e estátuas do Buda.
Elas podem ser vistas por toda parte nos países budistas, tanto nos templos
como nos lares.
E
seja onde for, o budista devoto fará sua confissão — a fórmula tripla do
refúgio, também chamada "As Três Jóias":
*
Procuro refúgio no Buda.
*
Procuro refúgio nos ensinamentos.
*
Procuro refúgio na comunidade monástica.
Apesar
de os budistas venerarem as imagens do Buda queimando incenso e pondo florese
outras oferendas diante delas, para o budista ortodoxo isso não é propriamente
uma adoração formal. Buda foi apenas o guia da humanidade, foi o mestre
"glorificado", e como já entrou no nirvana, não pode ver nem
recompensar as ações de um budista. Por isso, suas imagens não devem ser
adoradas; estão ali para lembrar os ensinamentos do Buda e auxiliar o budista
em sua meditação e em sua vida religiosa.
FERIADOS
RELIGIOSOS
A
festa religiosa mais importante para os budistas é o aniversário do nascimento
do Buda, comemorado em abril ou maio, na lua cheia. Também se acredita que foi
esse o dia da iluminação do Buda e de sua entrada no nirvana. Além dessa data,
cada país tem várias festas religiosas, muitas vezes celebradas com
peregrinações em massa aos mosteiros ou pagodes mais conhecidos. Para a maioria
dos leigos, as festas e outras manifestações devocionais externas desempenham
um papel bem mais relevante do que a meditação praticada pelos monges.
DEUSES
Buda
não negou a existência dos deuses. Como já vimos, foi um deus que o exortou a
proclamar sua mensagem para a humanidade. Ele não era um ateu no sentido
ocidental. Todavia, acreditava que a existência dos deuses era transitória,
assim como a existência humana. Embora eles vivam mais tempo que os seres
humanos, em última análise também estão atrelados ao ciclo do renascimento.
Ainda não alcançaram a "outra margem" e, portanto, não podem redimir
o homem de tal ciclo. Por isso, o papel dos deuses é insignificante na
literatura monástica budista.
Não
obstante, nos países budistas há uma adoração generalizada de demônios, espíritos
e várias outras divindades.
Diferentemente
do próprio Buda, todos estes são seres vivos e ativos, os quais — se cultuados
de modo correto — podem trazer vantagens mundanas. Os templos budistas muitas
vezes contêm estátuas de deuses como Vishnu, Indra e Ganesha,
mas sempre dispostas de maneira subserviente a Buda.
O
budismo tem espaço para um amplo espectro de cultos e sentimentos religiosos.
Essa é uma importante razão pela qual o budismo ganhou tão ampla aceitação em
toda a Ásia.
A difusão do budismo
Não
muito depois da morte do Buda ocorreu uma divergência entre seus discípulos
acerca da maneira como os ensinamentos dele deviam ser interpretados. Um século
mais tarde (por volta de 380 a.C.) foi realizado um concilio. Como diversos
monges expressaram o desejo de moderar a disciplina monástica, o encontro
terminou numa divisão entre uma facção conservadora e outra mais liberal.
Na
época moderna é costume distinguir entre duas tendências principais: Theravada
("a escola dos antigos"), predominante no Sul da Ásia
(Birmânia, Tailândia, Sri Lanka, Laos e Camboja), e Mahayana ("o grande
veículo"), predominante no Norte da Ásia (China, Japão, Mongólia, Tibet,
Coréia e Vietnã).
THERAVADA
— o CAMINHO DA AUTO-REDENÇÃO
Como
sugere o nome Theravada ("a escola dos antigos"), essa escola
acredita representar o budismo em sua forma original. De acordo com os
ensinamentos do Buda, enfatiza a salvação individual por meio da meditação.
Como não existe nenhum deus para redimir o homem do ciclo dos renascimentos,
ela ressalta que o indivíduo deve salvar a si mesmo. Assim, podemos dizer que o
budismo Theravada é uma religião de auto-redenção.
Aqui,
o Buda é visto como mestre e guia dos seres humanos. Ele não é adorado como um
deus, nem pode salvar as pessoas, mas indicou o caminho para a salvação, que
pode ser seguido pelo indivíduo.
Na
prática, só os monges podem imitar o exemplo do Buda até atingir o nirvana, e
mesmo entre eles, muito poucos o alcançam nesta vida. Um monge que pertença a
esse pequeno grupo é chamado arhat (venerável). O arhat, como o Buda, já
extinguiu seus desejos e venceu o mundo. É um exemplo resplandecente para os
leigos e o ideal que todos os budistas perseguem, pois mesmo que um budista não
consiga deixar este mundo definitivamente em sua vida atual, ele pode conseguir
um bom carma para si mesmo e talvez se tornar um monge numa existência futura.
Podemos
dizer que a idéia mais importante do budismo Theravada é que o próprio
indivíduo deve assumir responsabilidade por seu desenvolvimento ético e
religioso. Não há atalho para a salvação nem para a perfeição ética. Cada
pessoa deve começar por si mesma. Isso se aplica aos leigos, bem como aos
monges.
MAHAYANA
— O CAMINHO DA AJUDA MÚTUA
Até
agora, baseamos na escola Theravada a representação da vida e dos ensinamentos
do Buda, assim como a descrição da vida religiosa budista. A seguir vamos nos
afastar dessa abordagem do "budismo comum" e nos concentrar nas
características do budismo Mahayana.
Mahayana
significa "o grande veículo", ou "a grande nave", e seu
nome reflete a crença, predominante no budismo do Norte da Ásia, de que é
possível levar todas as pessoas à redenção. O budismo Theravada é chamado de
Hinayana, ou seja, "o pequeno veículo", já que leva apenas alguns (os
monges) a salvação.
Também
na visão que têm de Buda, existem grandes diferenças entre o budismo Mahayana e
o budismo Theravada. Enquanto o Theravada considera o Buda apenas um ideal e um
raio de salvação, o Mahayana acredita no Buda como o salvador, isso é
importante porque implica que os monges não são os únicos que podem ser salvos.
Os leigos podem igualmente se devotar ao Buda e, por sua graça, alcançar a
redenção.
OS
BODHISATTVAS
O
objetivo do budismo inicial era que o indivíduo atingisse a salvação por seus
próprios esforços. O ideal do indivíduo consistia em se tornar um arhat, ou seja,
alguém que deixou o mundo para trás e entrou no nirvana. Esse objetivo, porém,
era muito estreito para o Mahayana. Interessar-se apenas pela própria salvação é
considerado egoísmo. O objetivo deve ser a redenção de todos. Em conseqüência,
o ideal religioso do budismo Mahayana é o bodhisattva, o qual, depois de
alcançar a iluminação (bodhi), abdica do nirvana a fim de ajudar outras pessoas
a alcançar a salvação. Aqui muitas vezes se ressalta que o próprio Buda abdicou
do nirvana imediato por causa da compaixão por seus semelhantes.
Um
bodhisattva ("existência iluminada") pode ser qualquer pessoa que
resista a se tornar um Buda. No entanto, esse termo se aplica sobretudo a uma
longa lista de etéreas figuras de salvador, às quais os seres humanos podem recorrer
em busca de ajuda. A única coisa que as distingue de um Buda é que elas não
entram no nirvana até que todas as criaturas vivas tenham sido redimidas do
renascimento.
Características
típicas de um bodhisattva são a compreensão e a compaixão. Hoje em dia é a
compaixão do bodhisattva que é mais realçada. A bondade para com as outras
criaturas vivas não é considerada simplesmente um ideal, mas o caminho para a
iluminação e a redenção.
Com
sua doutrina do bodhisattva, o budismo Mahayana se afastou muito dos
ensinamentos do budismo Theravada. Assim como o cristão "põe sua vida nas
mãos de Deus", o muçulmano "se submete" a Alá e os
vaishnavitas"se dedicam" a Vishnu — o budista mahayana pode
compartilhar do amor salvador de um divino bodhisattva.
A
DOUTRINA DO CARMA E A ILUSÃO DO EU
Como
já vimos, o budismo Mahayana discorda do Theravada na doutrina de que o homem
deve salvar a si mesmo. Isso também implica um rompimento com a doutrina
estrita do carma. A idéia de que uma pessoa pode ser salva de seu carma pelos
méritos alheios é impensável no budismo do Sul. Porém, o Mahayana tem um
conceito próprio de carma: uma vez que há uma relação de dependência recíproca
entre todos os seres vivos, não é o carma do indivíduo que é importante.
Nesse
ponto, muitos budistas mahayana se referem ao fato de que a experiência do eu,
de ser algo separado do mundo ao redor, é simplesmente resultado da cegueira do
homem. E apenas os que fizeram pouco progresso rumo à iluminação é que sofrem dessa cegueira. O
bodhisattva, por outro lado, já superou a ilusão do eu e não distingue mais
entre si mesmo e os outros. Assim, um bodhisattva pode transferir algo de seu
bom carma para os que procuram a ajuda dele na luta para atingir o nirvana.
Diversidade religiosa
O
hinduísmo e o budismo sempre demonstraram um nível de abertura e tolerância em questões
religiosas bem diferente daquele a que estamos acostumados no Ocidente. A
diversidade religiosa não é considerada uma fraqueza. Muitos budistas diriam
até que o oposto é que é verdade. A força do budismo se revela nos numerosos
frutos que ele traz.
O
objetivo de todos os budistas é se redimir do ciclo dos renascimentos. A
questão consiste em saber que métodos ou recursos devem ser procurados para se
atingir esse objetivo. As pessoas são muito diferentes. Os povos asiáticos, em
particular, são provenientes de formações culturais bastante variadas. Assim,
os métodos utilizados precisam refletir esse fato. Em conseqüência, costuma-se
destacar que a experiência é o princípio que deve guiar a escolha dos métodos.
Entre
os muitos movimentos dentro do Mahayana, dois atraíram mais interesse nas
últimas décadas. São a tendência tibetana Vajra-yana (o veículo de diamante) e
o zen-budismo japonês.
Esses
movimentos se destacam do budismo Mahayana de várias maneiras.
BUDISMO
TIBETANO
No
Tibet, o budismo se incorporou à religião local, denominada Bon. Esta se
caracterizava pela crença em deuses e espíritos, que eram cultuados com
sacrifícios sangrentos, encenações de mistérios e danças rituais. Vários desses
deuses originais continuam sendo cultuados como guardiães dos ensinamentos
budistas. Contudo, sob a superfície prevalece a doutrina budista. Os budistas
tibetanos acreditam que eles representam a doutrina original, não adulterada.
Algumas
características externas mais aparentes do budismo tibetano são as rodas de
oração e as bandeiras de oração — objetos que contêm diversas orações e
fórmulas escritas. Quando a roda de oração gira — impulsionada ou pela mão de
alguém ou pelo vento ou pela correnteza de uma cachoeira — ou a bandeira
tremula ao vento, ela põe em movimento "a roda do ensinamento".
O
mantra (fórmula mágica ou enunciação sagrada) mais comum no budismo tibetano é
Om Manipadme Hum, que significa "O tu, que tens a jóia no teu lótus",
ou "Seja louvada a jóia no lótus".
Essa
fórmula é encontrada por toda parte no Tibet: nas rodas de oração, nas paredes,
nas rochas e, naturalmente, nos lábios das pessoas. Para aumentar sua
eficiência, usa-se um rosário de 108 contas (108 é um número sagrado).
O
LAMAÍSMO
No
Tibet o budismo muitas vezes é chamado
lamaísmo, do termo lama
("professor" ou "mestre"), nome dado aos líderes
espirituais, em geral monges.
Em
nenhum outro país do mundo o budismo permeia tão completamente o tecido da
sociedade como no Tibet. Grandes parcelas da população se integraram às ordens
religiosas de monges e monjas, e os mosteiros sempre tiveram íntimo contato com
os leigos. Vários desses mosteiros já abrigaram mais de mil monges e são
considerados as maiores instituições monásticas que já existiram.
A
originalidade do lamaísmo reside em sua estrutura social.
Desde
o século XVII o Tibet é governado por um lama principal, ou dalai-lama (oceano
de sabedoria), que tem sua sede na capital, Lhassa. O dalai-lama é o líder
religioso e político do país. Acredita-se que ele seja a reencarnação de um
famoso bodhisattva.
Ao
morrer um dalai-lama, os sacerdotes buscam uma criança que tenha sua marca.
Quando, depois de vários testes, é encontrada a criança certa, ela é consagrada
como o novo dalai-lama.
BUDISMO
TIBETANO CONTEMPORÂNEO
Em
virtude de sua cultura muito distinta e de sua localização inacessível entre as
montanhas mais altas do mundo, o Tibet por um longo tempo foi considerado uma
espécie de "terra de contos de fada". Porém, em 1959 o conto de fada
teve um fim súbito: a China assumiu o controle total do país e o dalai-lama foi
obrigado a fugir para a Índia, onde obteve asilo político. Desde essa época,
dezenas de milhares de tibetanos se refugiaram na Índia e no Nepal, lugares em
que o budismo tibetano continua vivo.
Mosteiros
budistas seguindo os padrões tibetanos surgiram na maioria dos países da Europa
Ocidental e nas Américas.
Zen-budismo
A
maior ambição de todos os budistas é atingir algum dia a iluminação (bodhi),
como aconteceu com o Buda debaixo de sua figueira em Bodh Gaya, há 2500 anos.
Dentro do budismo, porém, existem consideráveis diferenças de opinião sobre o
que essa iluminação implica e como se chega a ela. Dentro da tradição do
budismo Mahayana, surgiu na China uma escola especial de meditação que, mais do
que qualquer outro movimento, realçava a iluminação como o verdadeiro núcleo do
budismo. Esse movimento aos poucos se espalhou para a Coréia e o Japão, e ficou
conhecido no Ocidente por seu nome japonês, Zen, que significa
"meditação". Como hoje em dia é mais fácil estudar o zen no Japão do
que na China, vamos nos concentrar no zen-budismo japonês. No Japão essa
vertente budista conta hoje com cerca de 20 mil templos e 5 milhões de adeptos,
entre monges e leigos.
"VISÃO
DIRETA"
O
zen-budismo se baseia na iluminação do Buda. Os ensinamentos do Buda, tal como
foram passados para os textos budistas, não recebem tanta prioridade. Isso
reflete a profunda desconfiança do zen quanto à palavra e sua capacidade de
transmitir conhecimento. Não obstante, aquilo que não pode ser transmitido pela
palavra pode ser transmitido pela "visão direta". Diz-se que o Buda
trouxe a iluminação para seu discípulo mais promissor simplesmente segurando
uma flor diante dele, sem nada dizer. Assim, a iluminação vem sendo comunicada
de geração em geração pela transmissão não verbal.
Ensina
o zen que a iluminação deve vir de dentro, deve ter sua origem no coração do
indivíduo. Conta-se que um famoso mestre zen jogou todas as imagens do Buda na
lareira a fim de aquecer a sala em que ele e seus discípulos se encontravam.
Os
ensinamentos do Buda só podem nos levar até uma parte do caminho. Podem ensinar
o rumo certo, mas o importante é vislumbrar aquilo para onde apontam, a
iluminação em si. Nós, seres humanos, muitas vezes nos comportamos como
crianças; estamos mais interessados no dedo que aponta do que naquilo que ele
mostra.
É
fácil manifestar mais preocupação com as idéias ou os rituais religiosos do que
com a experiência religiosa que é objeto dessas idéias e desses rituais. Aqui o
método de "apontar diretamente" pode ajudar a obter uma compreensão
espontânea da realidade, uma percepção sem restrições, que não precisa de
palavras.
Uma
vez que a iluminação deve vir de dentro, o zen-budismo não tem nenhuma fórmula
fixa para alcançá-la. Mas ela pode chegar quando menos se espera e atingir a
pessoa como um raio. É como uma piada que de repente se compreende. De súbito,
a pessoa "desperta" — e fica consciente de que faz parte do infinito,
de uma maneira inteiramente nova. Isso não vem gradualmente, com o tempo.
Quando ela chega de fato, é total. Sua manifestação não está ligada nem mesmo à
meditação. Uma experiência mundana qualquer também pode acabar levando, com
igual facilidade, ao objetivo desejado.
A
"TERAPIA DE CHOQUE" ZEN-BUDISTA
Alguém
já disse que o budismo Theravada busca abrir a porta do nirvana à força, ao
passo que o Mahayana quer ficar mexendo a chave até que a porta se abra por
vontade própria. Essa descrição talvez seja mais típica do zen-budismo que de
outros movimentos mahayanas.
Como
vimos, as noções fixas podem ser um obstáculo para a iluminação; portanto, um
pré-requisito é a mente se esvaziar de palavras e idéias. O importante no zen é
romper com a lógica do discípulo e com seus processos conceituais de
pensamento. Desde a era chinesa do zen, a mais antiga, isso sempre foi feito pelos
mestres ao apresentar a seus discípulos perguntas e respostas totalmente
surpreendentes. A seguinte conversa entre mestre e discípulo serve de exemplo
dessa técnica:
DISCÍPULO:
Qual é o caminho para a libertação?
MESTRE:
Quem está te acorrentando?
DISCÍPULO:
Ninguém está me acorrentando.
MESTRE:
Então, por que queres ser libertado?
Semelhante
a esses diálogos é o uso de charadas que parecem absurdas e sem sentido. O
mestre zen pode fazer a seu discípulo perguntas como: "Como era seu rosto
antes de você nascer?". Ou: "Que som se produz quando se bate palma
com uma só mão?". Ao ponderar esses enigmas,o discípulo zen é levado a
experimentar um "sentimento de dúvida"
O
ZEN NA VIDA COTIDIANA
Uma
característica do zen é sua atitude positiva para com as tarefas mundanas. Isso
deriva da visão zen sobre o que é a
iluminação. Se se pedisse a um zen-budista que explicasse a iluminação, ele
poderia talvez dizer: "O cipreste no jardim!". Ou, se ele realmente
estivesse disposto a responder à pergunta em nossos termos, poderia dizer que a
iluminação é perceber que não existe iluminação. Como não há nenhuma
"verdade" para a qual se deva acordar, e nenhuma "ilusão"
da qual se deva acordar, a iluminação é compreender que o mundo é tal qual nós
o vemos.
Mas
nós estamos agora empregando palavras e conceitos, e assim fazendo, estamos nos
distanciando dos ensinamentos do Buda. Talvez devêssemos dizer que não há
nenhuma outra maneira de compreender o significado da vida a não ser vivê-la.
Em conseqüência, muitos zen-budistas destacam que o trabalho rotineiro pode ser
usado como um exercício de meditação. A prática consciente de uma rotina manual
pode ser tão favorável para a iluminação quanto a meditação e os rituais
religiosos. Por esse motivo, ocupações aparentemente triviais como tomar chá,
fazer arranjos de flores e cuidar do jardim passaram a ter grande importância
no zen-budismo.
No
Japão, certos esportes e formas de arte também receberam forte influência do
zen: arco e flecha, luta corporal, esgrima, teatro, poesia (haicai), música e
pintura.
O reavivamento budista
Em
épocas recentes, e em especial desde a última guerra mundial, o budismo passou
por um reavivamento, sobretudo entre os budistas com mais treino filosófico.
Aspectos importantes desse reavivamento são o trabalho pela unidade do budismo,
maior empenho missionário e maior atividade social.
MAIOR
UNIDADE
Diversos
concílios mundiais budistas tentaram iniciar uma cooperação budista
internacional. Isso inclui um esforço para se obter maior unanimidade de doutrina
entre as várias seitas budistas. Os concílios passam a desempenhar, assim, um
papel semelhante ao do Conselho Mundial de Igrejas dentro da religião cristã.
MISSÃO
Outro
aspecto desse reavivamento budista é a atividade missionária, que começou
também no Ocidente. Hoje há milhares de budistas nas Américas e na Europa
Ocidental, e várias capitais têm centros missionários. Por outro lado, o
budismo perdeu terreno em países da Ásia depois da Segunda Guerra Mundial,
sobretudo em razão da ascensão do comunismo.
ATIVIDADE
SOCIAL
Houve
ainda uma grande mudança no terreno ético. O ideal budista original era
trabalhar por sua própria salvação se valendo da meditação, algo que pouco
incentiva a atividade social. Mas o budismo também realça a abnegação de si e a
caridade, o que tem levado a uma participação ativa nas questões sociais e
políticas contemporâneas.
Muito bom,ÓTIMO
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