terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Jesus e os apóstolos: a vida comunitária entre mestre e discípulos

Fonte: http://blogdosampaio.com/
Antes de abordar o tema sobre a vida comunitária formada por Jesus e os apóstolos, é preciso compreender o que significa comunidade para Jesus.

Jesus escolheu doze para serem suas principais testemunhas. Por isso, o segundo passo será conhecer cada um deles.

O terceiro passo será a análise do convívio entre Jesus e os apóstolos. O presente estudo levará em consideração os seguintes aspectos: comunidade de amigos e discípulos; comunidade de testemunhas; comunidade de pecadores e incrédulos; comunidade fundada na esperança da manifestação messiânica e, por último, comunidade de mártires.

1.              Jesus quis viver em comunidade

A fé cristã afirma que Deus é comunidade. O apóstolo João ao interpretar essa comunidade diz que sua essência é amor: “Deus é amor” (1Jo 4,16). A palavra de Deus afirma que o principal elemento do amor é a união, por isso, a imagem do matrimônio sempre é apresentada para ilustrar o amor de Deus por seu povo (Exemplo: “Eu sou para o meu amado e o meu amado é para mim” Ct 6,3). O amor é, portanto, a união entre pessoas que se expressa no sair totalmente de si em vista do bem do amado. O apóstolo Paulo descreveu o amor de Cristo:

“Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus. Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fil 2,6-7).

O texto acima demonstra que Jesus, sendo o Senhor, assumiu a forma de escravo, ou seja, de servidor. A essência do amor consiste em despojar-se de si através do serviço aos outros, na doação e no acolhimento aos outros. O fato de tornar-se humano significa que ele tomou para si a fraqueza humana, acolheu-a totalmente.  O amor é doação e acolhimento.

A pergunta que surge é: Por que Jesus quis conviver com doze homens de forma especial?

Jesus quis estar com os doze para inserir todos os homens na comunidade trinitária. Este desejo e plano de conviver com todos os homens, tornando-os filhos de Deus é confirmado em vários momentos do evangelho. Destacam-se dois, um na encarnação e outro na ascensão.

João escreveu: “Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina. Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. Ela veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. A quantos, porém, a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: são os que creem em seu nome. E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”(Jo 1,9-12.14).

Mateus escreveu: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

Os dois textos demonstram que Jesus quis morar entre os homens, ou seja, conviver com eles, ter intimidade com eles, mas não somente isso. Ele quis torná-los divinos, filhos de Deus para conviver com eles por toda a eternidade. Por isso, o batismo. Mateus demonstra que Jesus inseriu o batismo com esta finalidade. O termo batismo no sentido original significa colocar dentro, imergir. Nas Escrituras o nome sempre indica identidade. Por isso, o batismo é imergir alguém dentro do nome, ou seja, na vida íntima divina, na comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A comunidade com os Doze indica o novo Israel. Deus não quis conviver com um grupo restrito de pessoas, com o povo de Israel simplesmente ou com os Doze somente. Jesus escolheu Doze para conviver com eles visivelmente por um curto período de tempo para depois conviver de forma invisível, neste mundo, com todos aqueles que creem.

2.              Os doze escolhidos por Jesus

Antes de abordar o tema do convívio entre Jesus e os apóstolos, é preciso compreender, de forma individual, cada apóstolo. O papa Bento XVI durante o ano de 2006 apresentou à Igreja cada apóstolo de forma particular.

Catequeses do PP. Bento XVI sobre os apóstolos






3.           O convívio entre Jesus e os apóstolos

Diversas características ressaltam do convívio entre Jesus e os apóstolos. Dentre elas destaca-se: uma comunidade alicerçada no discipulado e na amizade, uma comunidade de testemunhas, uma comunidade de pecadores e incrédulos, uma comunidade de mártires, 

3.1 Comunidade de amigos e discípulos de Jesus

O evangelistas narram que Jesus convidou os doze a seguí-lo (cf. Mc 1,17.19; 2,14; Mt 4,19.22). Os escolhidos tornaram-se seguidores de Jesus. Eles tornaram-se aqueles que iam atrás dele. Em outras palavras, tornaram-se seus discípulos, aprendizes do modo de sentir, pensar e agir de Jesus. Jesus revelou-se de tal forma a seus discípulos que lhes chamou de amigos (Jo 15,15).

Jesus convidou vários homens a serem seus discípulos, mas preferiu escolher somente doze para um convívio mais próximo de discipulado e amizade. Contudo ele não restringia seus vínculos aos doze. O critério de amizade para ele vai além dos vínculos de afeição, de simpatia: “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando” (Jo 15,15). Amigo de Jesus é quem ouve a sua palavra e a coloca em prática, é quem faz a vontade de Deus (Mc 3,35).

Portanto, a primeira característica do grupo dos doze era o chamado a seguir Jesus como discípulo. Os apóstolos acolheram a vida comunitária somente por causa de Jesus, para estarem com ele, para serví-lo. A vida comunitária que eles abraçaram não excluía seus vínculos familiares, pois os apóstolos em sua maioria eram casados e levavam consigo suas esposas para a missão (cf. I Cor 9,5). Contudo, Jesus lhes ensinou que para ser seu discípulo era necessário amá-lo acima de qualquer outro amor, ou seja, amá-lo em primeiro lugar (cf. Mc 8,34-38; Mt 16,24-28; Lc 14,33).

3.2        Comunidade de testemunhas de Jesus

A segunda característica do convívio dos apóstolos com Jesus é o testemunho. Os apóstolos foram aqueles que estiveram com ele desde o batismo de João até sua ascensão ao céu (At 1,21-22). Eles viram os prodígios, sinais e milagres que realizou (cf. At 2,22). Eles ouviram e apalparam a Palavra da vida (1Jo 1,1). Antes e após a ressurreição de Jesus tornaram-se seus anunciadores e operavam sinais em seu nome (cf. Lc 10, At 1,1-28,31).

3.3        Comunidade de pecadores e incrédulos

Os apóstolos não foram escolhidos por causa de nenhum motivo aparente aos homens (fé, caridade, virtudes, qualidades, temperamento etc.). A única explicação que o evangelho fornece é que Jesus escolheu aqueles que ele quis (cf. Mc 3,13).

Eles possuíam diferenças de idade, de condição social e estado de vida. Essas características não possuem importância para o evangelho, pois Jesus os classificou simplesmente como pecadores: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Lc 5,32). Jesus colocou seus apóstolos na condição de qualquer outra pessoa do mundo. Eles não eram mais importantes por estarem ao seu lado, eram pecadores necessitados de salvação como qualquer outra pessoa.

O principal pecado, o orgulho que faz o homem voltar-se sobre si mesmo (cf. Gn 3,5) era presente, também, nos apóstolos. Satanás no deserto da Judeia quis seduzir Jesus a voltar-se sobre si mesmo para tirar os olhos da vontade de Deus. Por isso, tentou seduzi-lo a transformar a pedra em pão, a querer ter riquezas e poder. No fundo das tentações está a estratégia de querer conduzir Jesus a querer ser “senhor” e não “servo”, a ter “poder” e não “serviço”.

Os evangelistas não esconderam essa profunda fragilidade humana presente nos apóstolos. Eles deram alguns exemplos:

“Chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: ‘Que discutíeis pelo caminho? Eles, no entanto, ficaram calados, porque pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9,33-34).

Jesus, em seguida, indicou-lhes o caminho da perfeição:

“Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, aquele que serve a todos” (Mc 9,35).
Outro exemplo:

“A mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, aproximou-se de Jesus e prostou-se para lhe fazer um pedido. Ele perguntou: ‘Que queres? Ela respondeu: ‘Manda que estes meus dois filhos se sentem, no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda” (Mt 20,20-22).

Jesus, mais uma vez indicou-lhes o caminho da perfeição:

“Sabeis que os chefes das nações as dominam e os grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o vosso escravo. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,25-28).

O último exemplo não precisa ser reescrito: Os apóstolos eram tão cheio de si mesmos a ponto de dizer que dariam sua vida por Jesus, mas o abandonaram no momento de sua paixão e Pedro, o negou três vezes. Somente João perseverou até o fim.

Quanto à falta de fé em Jesus quantas vezes os apóstolos foram questionados por não confiarem totalmente nele: em meio a tempestade ficaram cheios de medo a ponto de Jesus lhes perguntar: “Por que tanto medo, homens de pouca fé?” (Mt 8,26). Os apóstolos ao verem Jesus caminhando sobre as águas ficaram com medo. Pedro depois quis andar sobre a água, começou a caminhar, mas sentindo o vento ficou com medo e começou a afundar. Jesus lhe disse: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).

Há outros exemplos narrados pelos evangelistas que demonstram a condição pecadora e frágil dos apóstolos no convívio com Jesus. Contudo, em nenhum momento verifica-se a presença de julgamentos negativos a respeito da conduta deles. Não há julgamentos sobre defeitos ou fragilidades dos apóstolos. Jesus viveu o que ensinou a este respeito: “Ora, eu vos digo: Todo aquele que tratar seu irmão com raiva deverá responder no tribunal; quem disser ao seu irmão: ‘imbecil’ deverá responder perante o sinédrio; quem chamar seu irmão de ‘louco’ poderá ser condenado ao fogo do inferno” (Mt 5,22).

Embora frágeis, seguiram Jesus devido à esperança em sua manifestação gloriosa.

3.4        Comunidade fundada na expectativa messiânica

O apóstolo João enfatizou que os apóstolos eram pessoas que possuíam um ardoroso desejo por Deus e pela manifestação gloriosa de seu reino (cf. Jo 1,35-51). Após sua morte ficaram decepcionados, pois pensaram que ele libertaria Israel (cf. Lc 24,21). Eles aguardavam a vinda do Messias glorioso e ansiavam por isso. Os apóstolos manifestaram essa ansiedade no dia da ascensão de Jesus ao céu perguntando-lhe: “Senhor, é agora que vais restabelecer o Reino para Israel?” (At 2,6).

Os apóstolos transmitiram essa expectativa com intensidade aos primeiros cristãos. Paulo na segunda carta aos Tessalonicenses confirma dizendo: “Quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião junto dele, nós vos pedimos, irmãos, que não vos deixeis abalar, assim tão depressa, em vossas convicções nem vos alarmeis com alguma pretensa revelação do Espírito ou alguma instrução ou carta atribuída a nós e que desse a entender que o dia do Senhor já está chegando” (2 Tes 2,1-2).

3.5        Comunidade de mártires

Os Atos dos Apóstolos é um livro que demonstra como os apóstolos conviviam com Jesus ressuscitado após sua ascensão ao céu.

Lucas narrou:

“Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Apossava-se de todos o temor, e pelos apóstolos realizavam-se numerosos prodígios e sinais. Todos os que abraçavam a fé viviam muito unidos e possuíam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração” (At 2,42-47).

A primeira comunidade cristã viva desta maneira porque os apóstolos viviam desta maneira. Segundo o livro dos Atos os apóstolos consagraram-se inteiramente ao cuidado da comunidade e ao anúncio do evangelho a toda criatura.

Uniram-se de tal forma a Cristo a ponto de terem uma morte semelhante à dele. Mateus morreu à espada na Etiópia. André foi crucificado na Acaia. Filipe foi enforcado em Hierápolis. Bartolomeu foi esfolado vivo e crucificado de cabeça para baixo. Simão morreu crucificado. Tiago, o menor, foi apedrejado até a morte em Jerusalém. Judas Tadeu e Simão ,o Zelote foram martirizados juntos na Pérsia. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo em Roma. Tiago, o maior, foi decapitado em Jerusalém. João foi colocado dentro de um caldeirão de azeite fervente, mas sobreviveu, morrendo de morte natural aos cem anos de idade. Tomé foi martirizado em Madras na Índia. Paulo foi decapitado em Roma.

O medo é muito destacado nos evangelhos como uma das principais fragilidades dos apóstolos. À medida que foram crescendo no amor a Cristo e aos outros foram perdendo o medo alcançando o estágio do perfeito amor. Como disse o apóstolo João: “No amor não há medo. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o medo, pois o medo implica o castigo, e aquele que tem medo não chegou à perfeição do amor” (1Jo 4,18).

4.    Conclusão

Os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos demonstram que o convívio dos apóstolos com Jesus foi marcado por um caminho de crescimento na fé, na esperança e na caridade. Eles foram assimilando aos poucos quem era Jesus, o Messias, Filho de Deus e Senhor. Que primeiramente veio para realizar as profecias do Servo Sofredor que iria sofrer muito, ser rejeitado e morrer, mas que, também, ressuscitaria e, no tempo determinado por Deus, viria para julgar os vivos e mortos.

Durante o convívio com Jesus eram pessoas normais, pecadores, incrédulos e medrosos. Além disso, eram orgulhosos e cada um desejava ser o maior no grupo. Inclusive caíram na fraqueza de fecharem-se como um grupo privilegiado por Jesus (cf. Mc 9,38-40). Contudo, aos poucos cresceram no amor ao ponto de chegarem a perfeição da caridade, lançando fora todo o medo, identificando a Jesus no serviço aos outros ao ponto de receberem o dom do martírio.

Professor Leandro César

Mestrado em Teologia - FAJE, Belo Horizonte MG.
Bacharel em Teologia - Studium Theologicum Jerosomilitanum, Jerusalém - Israel.
Filosofia - Canção Nova, Cachoeira Paulista SP

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