Prof. Leandro César
Bernardes Pereira
Jesus iniciou seu ministério
a partir de um pequeno grupo de pessoas. A sua pregação inicial se resume na exortação:
“Convertei-vos, porque o Reino de Deus está próximo” (Mt 3,2). A realização de
milagres como cura de paralíticos, cegos, surdos, ressurreição de mortos etc.
acompanhou frequentemente seu ministério.
O núcleo central da
proclamação do Reino de Deus foi registrado nos evangelhos. Ele é conhecido
como “Sermão da Montanha” (Mt 5-7).
Jesus quis formar uma
comunidade de discípulos unidos entre si pelo batismo. Ele escolheu doze homens
os quais seriam os condutores dessa comunidade. Os doze receberam o título de apóstolos
e o poder de expulsar demônios e realizar milagres em seu nome. Dentre os doze,
Pedro sempre ocupou um lugar de destaque nas listas dos evangelhos e no livro
dos Atos dos Apóstolos. Jesus entregou a
Pedro a missão de governar a Igreja após sua morte.
A vida de Jesus culminou com
sua paixão e morte no ano 30 da era cristã. Ele mesmo se apresentou como o
Cristo, o Messias anunciado pelos profetas de Israel. Contudo, os judeus o
rejeitaram como o Messias esperado, pois aguardavam a vinda de um chefe
político que os libertaria do julgo romano.
Jesus foi condenado à morte
de cruz. Ele durante seu ministério anunciou aos discípulos diversas vezes que
seria condenado à morte de cruz, mas que no terceiro dia ressuscitaria. Os
apóstolos e grande número dos primeiros seguidores de Jesus testemunharam a
Ressurreição e passaram a anunciá-la a todos os povos.
A Ressurreição de Cristo é o
dogma central do cristianismo. Jesus não
fundou somente uma religião, mas uma Igreja composta de pessoas unidas entre si
pelo batismo.
Os apóstolos afirmaram que
na última aparição do Ressuscitado, Jesus lhes ordenou a ir para o mundo
inteiro e anunciar o evangelho a toda criatura. Afirmou que todo aquele que
crer será salvo, mas quem não crer será condenado[1]. Ele prometeu, também, que
depois de alguns dias após subir ao céu o Espírito Santo seria derramado sobre
eles em Jerusalém. A experiência do recebimento do Espírito Santo aconteceu na
festa judaica de Pentecostes.
O dia de Pentecostes é o dia
do nascimento da Igreja. A partir dessa data dá-se início a história do
cristianismo propriamente dita.
1.
O
nascimento da Igreja
A Igreja nasceu no ano 30 de
nossa era em Jerusalém com a experiência da efusão do Espírito Santo no dia de
Pentecostes. A experiência ocorreu em uma sala fechada onde se encontrava cerca
de cento de vinte pessoas dentre elas os apóstolos e Maria, a mãe de Jesus.
Milhares de judeus ouviram um estrondo como de um trovão e os apóstolos falarem
em diversas línguas. Estupefatos perguntaram aos apóstolos o significado de
tudo aquilo. Pedro, em nome da comunidade lhes respondeu que se tratava do
cumprimento de uma profecia que diz que no final dos tempos Deus derramaria o
seu Espírito Santo. Afirmou, também, que aquela experiência era fruto da
promessa de Jesus que morreu, mas ressuscitou dos mortos e que todo aquele que
crer recebe o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo. Cerca de três mil
pessoas se tornaram cristãs através desse discurso[2].
Pedro e os apóstolos a
partir desse dia anunciaram a Ressurreição de Jesus. A pregação dos apóstolos
era confirmada com inúmeros milagres e por isso, o número dos cristãos
aumentava dia após dia.
O movimento cristão crescia
muito em Jerusalém e em todo o território de Israel. O Sinédrio, autoridade
máxima judaica daquele tempo, condenou os apóstolos veementemente e perseguiu
todos os membros da Igreja. Com isso, os cristãos foram forçados a deixar
Israel. Pedro deixou Jerusalém e foi para Antioquia na Síria e por isso, a sede
da Igreja foi transferida para lá.
Antioquia foi uma cidade
importante para a difusão do cristianismo primitivo. De lá partiu para a
evangelização do Ocidente o apóstolo Paulo, o qual foi o principal divulgador
da fé cristã em diversas regiões do império romano.
Herodes Agripa I, rei da Judeia
e Samaria, no ano 41 decretou nova perseguição aos cristãos que habitavam o
território de Israel. O apóstolo Tiago, irmão do apóstolo João foi morto nesta
ocasião.
Os relatos de Ireneu de Lião
em sua obra Contra as Heresias,
escrita no final do século II atesta que Pedro e Paulo foram os fundadores da
Igreja de Roma. Outros importantes escritores daquele período como Tertuliano e
Origem afirmam a presença de Pedro e Paulo em Roma e o martírio de Pedro.
Segundo Orígenes, Pedro foi crucificado de cabeça para baixo durante uma
perseguição.
Eusébio de Cesareia foi o
primeiro historiador do cristianismo. Segundo ele, em sua obra História Eclesiástica, escrita por volta
do século IV. João foi o único Apóstolo que morreu de morte natural. Todos os
outros foram martirizados: Mateus foi
provavelmente lapidado, Tiago (o Menor) também; Tiago Zebedeu, um dos Boanerges
(filhos dotrovão), irmão de João, foi decapitado por ordem de Herodes Agripa,
como vimos; André, irmão de São Pedro, crucificado; Tomé foi lanceado; Pedro e
Paulo foram martirizados na primeira perseguição ordenada por Nero no ano 64, o
primeiro crucificado de cabeça para baixo, o segundo, cidadão romano,
decapitado. Todos os demais Apóstolos foram martirizados e mortos.
André, irmão de Pedro, é venerado
na Rússia como o Apóstolo que pregou e morreu numa terra então conhecida como
Cítia. Tomé é identificado como o Apóstolo da Índia, assim como Bartolomeu. Mateus
foi provavelmente para a Etiópia, Judas Tadeu para a Pérsia e Tiago (Menor), o
“irmão de Jesus”, para o Egito[3].
1.1
A
historicidade de Jesus
A difusão do cristianismo
teve início com a pregação de Jesus. É possível dizer que o cristianismo teve
um duplo nascimento: o primeiro com a pregação de Jesus, o segundo, depois da
morte e ressurreição de Jesus com a pregação dos apóstolos e da Igreja
primitiva.
Jesus se apresentou como
enviado por Deus e reuniu ao seu redor alguns discípulos e deu origem a um
movimento de seguidores.
Os Evangelhos (Mateus,
Marcos, Lucas e João) contêm o registro do convívio com Jesus antes de sua
Páscoa. Portanto, possuem um valor histórico, pois os fatos descritos pelos
apóstolos referem-se a acontecimentos que lhes são contemporâneos.
O critério de historicidade
parte do pressuposto que os fatos descritos ou são contemporâneos às
testemunhas, ou foram testemunhados por elas em vida.
Atualmente a maioria dos
estudiosos data o evangelho de Marcos por volta do ano 70, Mateus e Lucas entre
os anos 80 e 90 e João ao final do primeiro século.
2
A expansão do cristianismo no Império Romano
A infraestrutura do Império
Romano (estradas, rotas marítimas) auxiliou a locomoção dos primeiros
missionários cristãos.
No início do cristianismo se
admitia a existência de três mundos: o judaico, o greco-romano e o bárbaro. As
cartas escritas entre os anos 50 e 100 por Pedro, Paulo, João e Tiago exprimem
como o cristianismo se posicionou entre as culturas nesse período.
A filosofia era desenvolvida
na cultura grega. Havia entre eles a ideia de abandonar a matéria, a história,
para refugiar-se no absoluto da vida como conteúdo e fim da própria busca
intelectual. Os judeus, ao lado deles, entendiam a sabedoria como uma postura
moral diante da vida e da história. O culto a Deus se resumia em cumprir seus
mandamentos. Os cristãos diante deste contexto anunciavam que a salvação se
realizou na história. Por isso, os gregos tinham horror deles. O escritor
Plínio nesse tempo escreveu ao imperador Trajano “sobre esse Cristo que alguns
dizem que ressuscitou”, outro escritor desse período Trajano disse: “Não se preocupem, são uns
loucos”. Os cristãos afirmam que Cristo continua sendo presente e agindo na
história.
2.1
A
vida dos primeiros cristãos
No final do segundo século,
um escrito conhecido como “Carta de Diogneto” apresenta como era a vida dos
cristãos no mundo Greco-romano:
Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela
terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam
cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de
natureza singular. Nem uma doutrina desta natureza deve a sua descoberta à
invenção ou conjectura de homens de espírito irrequieto, nem defendem, como
alguns, uma doutrina humana. Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme
coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no
vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma
maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social
(...)
Os cristãos se reuniam em
uma Igreja. Contudo, o termo “ecclesia” indica uma assembleia de pessoas livres
que se reúnem nas cidades gregas. O termo indica ao mesmo tempo a única
assembleia e o conjunto de todas as assembleias. A Igreja primitiva era unida e
conduzida pelos sucessores dos apóstolos e em especial pelo sucessor de Pedro,
cuja sede era em Roma, lugar onde o apóstolo viveu após deixar à Palestina.
A vida dos primeiros
cristãos era semelhante à de seus concidadãos. Contudo, testemunhavam um
encontro pessoal com Jesus ressuscitado, se propunham a segui-lo, recebiam o
batismo e se buscavam viver o evangelho em comunidade. A carta a Diogneto confirma esta teoria
dizendo:
Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de
tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira
é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos
e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. Servem-se da
mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem
segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis
estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. Amam todos e por todos
são perseguidos. Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados
à morte e ganham a vida. São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo
carecem, mas em tudo abundam. São desonrados, e nas desonras são glorificados;
injuriados, são também justificados. Insultados, bendizem; ultrajados, prestam
as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados,
alegram-se, como se recebessem a vida. São hostilizados pelos Judeus como
estrangeiros; são perseguidos pelos Gregos, e os que os odeiam não sabem dizer
a causa do ódio (...)
2.2
O
cânon do novo testamento
A Igreja primitiva percebeu
logo a necessidade de reunir o testemunho escrito dos apóstolos. Os bispos,
sucessores dos apóstolos, procuram reuni-los em um cânon (grego: vara), ou
seja, o conjunto oficial dos livros da Escritura. Por volta do ano 200, o cânon
do Novo Testamento era semelhante ao atual. Contudo, havia discussões a
respeito de alguns livros, por exemplo, a carta aos Hebreus e o Apocalipse[4]. Outras discussões a
respeito do Canon continuaram, mas no século IV houve uma decisão quase
definitiva.
O registro completo mais
antigo sobre os 27 livros do novo testamento encontra-se na “39ª Carta sobre
Festas”, escrita por Atanásio em 367. O Sínodo de Hipona (393), Cartago (397),
papa Dâmaso (382) e o papa Inocêncio I (405) concordaram com Atanásio[5]. A palavra final a
respeito dos livros no lado católico deu-se no Concílio de Trento em 1546.
Wicks comenta que a “fé
reconhece os livros canônicos como inspirados; contudo, permanece aberta a
possibilidade de que outros escritos, agora não reconhecidos como canônicos,
tenham sido compostos realmente com a assistência carismática do Espírito”[6].
Em relação ao cânon cristão
do Antigo Testamento existe uma divergência em relação a alguns livros: Tobias,
Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Sirácida, Baruc, parte de Daniel (3,25-90;
13-14). Estes livros são denominados Deuterocanônicos pelos católicos e
apócrifos pela maioria dos protestantes. Há outras diferenças em relação tanto
ao cânon do Antigo Testamento, quanto ao do Novo Testamento de modo que temos
vários cânones (hebraico, samaritano, ortodoxo, católico, protestante, cóptico,
siríaco)[7].
2.3
Os
escritos apócrifos
Apòkryphos vem do grego
kriptein que significa “esconder, manter em segredo”. A igreja primitiva
utilizou este termo para se referir aos gnósticos cristãos. Os círculos
gnósticos afirmavam possuir os “livros secretos” reservados a poucos eleitos
capazes de compreender a doutrina[8].
No segundo século havia uma
corrente chamada Gnosticismo. Segundo Wicks, “Seus mestres, afirmando ter
recebido instruções transmitidas em encontros secretos com Jesus ressuscitado,
foram prolíficos na produção de novos evangelhos e cartas que tinham a
pretensão de conter o ensinamento de Jesus e a instrução de seus apóstolos”[9]. Os livros por não
conterem o testemunho da tradição apostólica não foram reconhecidos como
inspirados.
Após as descobertas em Nag
Hammadi, no Egito, em 1945 o interesse por essa literatura cresceu muito no
Ocidente. Nesta cidade foram encontrados 13 manuscritos datados entre os
séculos III e IV, os quais continham alguns evangelhos e apocalipses nascidos
em ambiente gnóstico[10].
A Igreja católica não os
rejeita como perigoso ou sem valor. Embora não os considere inspirados os retêm
como úteis para a compreensão do cristianismo primitivo, inclusive alguns
desses escritos foram citados por grandes teólogos do cristianismo primitivo,
muitos apócrifos inspiraram obras de arte[11].
2.6
As perseguições
Segundo Verdete:
"Um outro fator que
favoreceu a propagação do Cristianismo para as cidades mais próximas de
Jerusalém, na Palestina, Síria e na Ásia Menor consistiu nas primeiras perseguições
aos cristãos, sobretudo aos helenistas, que se seguiram ao martírio de Estêvão,
o primeiro mártir cristão que deu testemunho da sua fé à custa da própria vida,
tendo sido apedrejado até à morte.
Desde muito cedo os cristãos
foram confrontados, no mundo em que viviam – o Império Romano –, com o receio
que suscitavam nos pagãos por serem “diferentes” e não participarem dos seus
costumes: eles não frequentavam os teatros, escandalizados pela imoralidade
grosseira das peças que lá se exibiam, nem o circo, pelo espetáculo, oferecido às
massas populares, os gladiadores; eles não acreditavam na divindade do
imperador romano, negando-se a adorá-lo e a queimar lhe incenso; as suas vidas
irrepreensíveis, no meio dos vícios mais grosseiros, da vulgaridade dos
adultérios e dos divórcios, constituíam como que uma permanente censura; e não
deixavam que os não cristãos fossem admitidos nos seus atos de culto.
Ora, tudo isto tinha
inevitavelmente de despertar a maledicência dos mal intencionados, que chegaram
ao ponto de acusar os cristãos de canibalismo nas suas secretas reuniões, nas
quais fariam sacrifícios humanos; acusavam--nos ainda de presunçosos, por
afirmarem e reafirmarem que o seu Deus era o único que existia, negando-se a
prestar culto a outros deuses, nomeadamente os romanos e, muito menos, ao imperador.
Estava, assim, preparado o
terreno e criado o clima propício às perseguições, ao martírio e à apostasia"[12].
As perseguições perduraram
até o ano 314 quando o imperador Constantino, por meio do Edito de Milão
declarou liberdade de culto aos cristãos.
[1]
Cf. Mc 16,15-16.
[2]
Cf. Atos dos Apóstolos 2,1-41.
[3] Cf.
VERDETE, Carlos. História da Igreja. Das
origens até o cisma do Oriente. Vol. 1, p. 137-138.
[4]
CULLMANN, Oscar. A formação do Novo
Testamento. 7ª Ed. São Leopoldo: Editora Sinodal. 2001, 92.
[5]
Cf. Ibidem, 92.
[6]
WICKS, Jared. Introdução ao método
teológico. 2ª Ed. São Paulo:
Edições Loyola, 1999, 43.
[7]
Cf. EDI. Cânon Bíblico Católico. Bíblia
Sagrada. Firenze: Edimedia.
[8]
Cf. Idem.
[9]
Idem, 46.
[10]
Idem.
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