Prof. Ms. Leandro César
Bernardes Pereira
O
materialismo é uma corrente filosófica, ou seja, é uma forma de pensamento
adotada por inúmeros filósofos, cientistas, artistas e pessoas em geral. O
materialismo afirma que a realidade é essencialmente matéria, tudo provêm da
matéria e somente existe matéria. Por isso, nega a possibilidade da existência
das realidades psíquicas, metafísicas e a existência de Deus.
A
metafísica tem como fundamento uma reflexão a partir do concreto de cada
existente, seu objetivo é analisar os seres em sua complexidade. Ela afirma a
existência do psíquico e busca encontrar o “ser” como realidade fundadora dos
seres.
A
partir do diálogo entre materialismo e metafísica é possível determinar seus
limites e estabelecer um diálogo com a teologia que afirma a existência de um
criador.
O
presente estudo foi baseado no artigo “A existência de Deus e o materialismo
contemporâneo” escrito por Alberto Dondeyne, Professor de Filosofia na
Universidade de Lovaina.
A ambiguidade da palavra materialismo
O
materialismo contemporâneo não é sempre uma negação de todo valor espiritual,
pois o marxismo fala de espírito e liberdade, reclama a libertação do homem das
injunções da matéria[1].
A existência
humana pode ser considerada a partir da descrição fenomenológica da existência:
o homem toma consciência de sua existência. Ele revela-se a si mesmo não como
coisa inerte e fixa, mas como movimento atraído por valores. Há valores que
proporcionam bem estar corpóreo como a saúde. Outros ultrapassam a consideração
biológica: alegria de conhecer, a emoção artística, o amor desinteressado, a
liberdade, uma sociedade regida pela justiça e respeito. Esses valores são
chamados espirituais[2].
O
materialismo contemporâneo é científico e filosófico. Pretende dar a explicação
última das coisas e apresenta-se como uma exigência de verdade e de liberdade.
Considera Deus como um mito sem fundamento, uma hipótese inútil e até
prejudicial ao progresso da ciência e da liberdade do homem[3].
O materialismo moderno é um materialismo científico e
filosófico
Há
materialismo filosófico quando se afirma que a matéria é o substrato que
determina a explicação última ou definitiva das coisas[4]. A matéria deve ser
entendida como energia, um campo de força o qual possui forma e movimento. Por
isso, possui possibilidade indefinida de estruturas, desde o átomo, a
constelação até uma organização infinitamente complexa como o cérebro[5].
O
materialismo científico consiste em afirmar a ciência como a única capaz de
deter o saber verdadeiro. Qualquer outro saber é tratado com desdém, como algo
ilusório, um sonho ou um mito.
O domínio da ciência só
pode ser o mundo exterior, em sentido lato, isto é, o mundo dos corpos,
incluindo o homem. Com efeito, só a observação externa, a apreensão dos fatos e
de acontecimentos externos corresponde à ideia de experiência universalmente
conferível e verificável. O fato psíquico interno escapa, como tal, à
verificação[6].
Jean
Rostand ensina sobre o pensamento, que para eles, é nas células do córtex
cerebral “que se produzem as reações químicas e as transformações de energia
que dão lugar ao que nós chamamos consciência, e de que nada sabemos a não ser
que ela está indissoluvelmente ligada a estas reações e a estas transformações”[7]. A partir dessa visão a fé
em Deus e na imortalidade da alma é vista como uma projeção psíquica. Segundo
Feuerbach tem origem da tendência egoísta para a felicidade[8]. Segundo Marx, a religião
“é o suspiro da criatura acabrunhada pela desgraça, é o coração de um mundo sem
coração, é o espírito de uma época sem espírito. É o ópio do povo”[9].
Diante
dessas considerações é necessário perguntar: Será a ciência a única verdade, a
única maneira de o homem ter certeza? A afirmação de Deus possui fundamento?
A afirmação religiosa de Deus
O
fundamento da fé em Deus, ou da afirmação religiosa de Deus não parte para quem
crê de um raciocínio abstrato. Em geral, parte do testemunho de uma relação
pessoal com Deus. Deus nesse sentido é alguém, um ser pessoal que se relaciona
com a humanidade. Por isso, a questão a
ser analisada é: Pode a fé possuir um fundamento racional?
A questão filosófica do teísmo
Os
questionamentos “quem eu sou?” e “qual é o valor da minha existência?”
acompanham a história da humanidade a milênios. Julgar se a vida vale ou não
vale a pena ser vivida é responder o principal questionamento humano[10]. A fé se apresenta como
resposta a esta pergunta. A humanidade é apenas uma existência dentre muitos
outros seres existentes. Conhecer algo é conhecer o seu ser.
A
palavra ser “significa não só o que em última análise faz e origina a
diversidade dos seres, mas também a unidade que os liga e relaciona entre si”[11]. Na antiga Grécia, a
Metafísica surgiu como a ciência responsável para investigar o ser enquanto
ser. O materialismo contemporâneo vê a reflexão metafísica como desprovida de
fundamento. Contudo, assim como o materialismo científico a metafísica tem como
fundamento a experiência em seu sentido amplo. A distinção entre ambas pode ser
compreendida tendo como exemplo a reflexão sobre o juízo de valor.
Quanto ao juízo de
valor, a ciência positiva o reduz a um simples acontecimento objetivo,
limitando-se a verificar que, em tal sociedade, e em tais circunstâncias,
predomina tal juízo de valor, e como, para isso, deve haver uma razão, é
natural que a ciência procure encontrá-la. Porém a ciência não estuda o juízo
de valor como tal, não se ocupa do que faz que um valor apareça à consciência
como valor[12].
A
ciência positiva ignora o significado de um evento para a consciência, para a
área conhecida como “subjetividade”. Por isso, ela representa apenas um setor
da experiência humana. A metafísica busca analisar o ser de forma mais
abrangente.
A
metafísica investiga o ser de tudo o que existe buscando a razão, o motivo por
que os seres são o que são, e o que faz e fundamenta tanto a sua diversidade,
como a sua unidade. O objeto de investigação da metafísica é o Ser pelo qual os
existentes são. Jaspers confirma: “o Ser graças ao qual provém tudo o que é”[13]. Em outras palavras “o
Ser é tal qual o ser empírico for possível”[14]. A lei da metafísica é a
fidelidade ao real, ao concreto, tal qual se manifesta em sua diversidade e na
unidade que o penetra[15].
Dondeyne
afirma que é no ser que se encontra o fundamento último da verdade[16].
Situar no ser, e não no
homem, o fundamento último da verdade, é dizer que o ser é na medida em que a
verdade for possível. Este ser que, em última instância funda a possibilidade
da verdade (...) não pode, evidentemente, conceber-se como energia material
primitiva, desprovida da consciência anônima que envolvesse à maneira de uma
dialética impessoal de conceitos abstratos (...). O fundamento último deve, por
conseguinte, conceber-se como um Para-além-do-mundo, como um Ser pessoal e
transcendente, capaz de suscitar uma intersubjetividade de pessoas finitas,
ligadas e separadas pela matéria. Numa palavra, deve conceber-se como Deus criador[17].
A limitação do ser
incapaz de conceber-se em si demonstra a necessidade de uma inteligência
espiritual que o suscite no existir. Da mesma forma o pensamento humano,
segundo Tomás de Aquino, sugere um Pensamento transcendente, origem comum das
inteligências finitas e do mundo, que elas devem interpretar[18].
Apesar da ração pela
contemplação do ser possa conduzir a fé em Deus. A fé funda-se, sobretudo na
experiência religiosa.
A experiência
religiosa da humanidade
O
fundamento da experiência religiosa pode ser verificado no testemunho de
santidade, na experiência mística e nos milagres. A experiência mística é
encontrada em ambientes religiosos. Ela manifesta uma intuição, a qual
representa uma forma superior de oração a qual une a alma a Deus[19]. O efeito desta união é
uma transformação da alma por Deus. O contato “exprime-se como uma experiência
da presença de Deus, gozada como Amor subsistente e criador, imanente e
transcendente ao mesmo tempo. Por isso, Deus não é problema para o místico,
pois se trata da Realidade por excelência”[20].
O
milagre é um fenômeno religioso, é um fato excepcional, mas não isolado pois se
insere em um contexto religioso. Pode ser compreendido como um conjunto de
fatos maravilhosos que se apresentam como uma resposta tangível de Deus à fé
humana, ou como um sinal sensível e concreto de sua presença na vida de seus
santos. Os milagres se manifestam ou segundo os caminhos normais da natureza ou
ultrapassando-os. Os milagres podem se manifestar, por exemplo, através de
curas sobrenaturais ou de grandes sinais como a multiplicação de pães,
reconstituição quase instantânea de considerável quantidade de tecidos lesados
ou destruídos, acalmação repentina de tempestades, prontamente submissas a uma
palavra de ordem, ressurreição de mortos etc...
Os
evangelistas atribuíram dezenas de milagres a Jesus. Se esses milagres ainda
merecem fé, é porque continuam acontecendo. Portanto, os milagres que se
realizam hoje confirmam o evangelho. De fato, Jesus disse: “Em verdade, em
verdade vos digo: quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda
maiores do que estas. Pois eu vou para o Pai. E o que pedirdes em meu nome, eu
o farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes qualquer
coisa em meu nome eu o farei”[21]. Ele disse também: “Ide e
ensinai a todas as nações (...) porque eu estarei convosco todos os dias, até
ao fim do mundo”[22].
CONCLUSÃO
A busca pela verdade
é um traço essencial da espécie humana. Contudo, a afirmação de um princípio
como verdadeiro ou falso apresenta-se como relativo e muitas vezes influenciado
pela história ou por opiniões pessoais. Todavia, o conceito de verdade funda-se
na noção de absoluto, ou seja, uma realidade concreta que se afirma por si,
independentemente da visão alheia.
O artigo propôs duas
visões sobre o fundamento dos seres. De um lado o materialismo e de outro a
metafísica e a fé. Ambas as visões propõe apresentar o substrato que dá origem
a todas as coisas. O materialismo a matéria; a metafísica o Ser e a fé cristã,
Deus.
BIBLIOGRAFIA
DONDEYNE, Alberto. A existência de Deus e o materialismo
contemporâneo. In: SAUDEE, Jacques B. Deus,
o homem e o universo. Colaboração conjunta de dezoito cientistas. Porto:
Livraria Tavares Martins, 1959.
JASPERS, Karl. Introduction à la Philosophie.
Paris: Plon, 1951.
JASPERS, Karl. Philosophie. Berlin:Springer,
1932.
ROSTAND, Jean. Pensées d’um
biologiste. Paris: Stock, 1939.
GRÉGOIRE, Franz. Aux souces de la pensée de Marx. Hegel,
Feuerbach. Lovaina, 1947.
MARX, Karl. Contribution à la critique de la philosophie
du droit de Hegel. Paris, 1929.
CAMUS, Albert. Le mythe de
Sisyphe. Paris: Gallimard, 1942.
[1] Cf.
DONDEYNE, Alberto. A existência de Deus e o materialismo contemporâneo,
3.
[2]
Cf. Idem, 4.
[3]
Cf. Idem, 5.
[4]
Cf. Ibidem, 5.
[5]
Cf. Idem, 6.
[6]
Idem, 10.
[7]
ROSTAND, Jean. Pensées d’um biologiste. Paris:
Stock, 1939, 96.
[8]
Cf. GREGOIRE, Franz. Aux souces de la
pensée de Marx. Hegel, Feuerbach. Lovaina, 1947, 147-149.
[9]
MARX, Karl. Contribution à la critique de
la philosophie du droit de Hegel. Paris, 1929, 84.
[10] Cf. CAMUS, Albert. Le mythe de Sisyphe. Paris: Gallimard,
1942, 15.
[11] DONDEYNE, Alberto. A existência de Deus e o materialismo contemporâneo, 21.
[12]
Idem, 23.
[13] JASPERS, Karl. Introduction à la Philosophie. Paris: Plon, 1951,31.
[14] JASPERS, Karl. Philosophie. Berlin:Springer, 1932, 54.
[15] DONDEYNE, Alberto. A existência de Deus e o materialismo contemporâneo, 27.
[16]
Cf. Idem, 38.
[17]
Idem, 38.
[18]
Cf. Idem, 40.
[19]
Cf. Idem, 42.
[20]
Idem, 43.
[21]
João 12,14.
[22]
Mateus 28,19-20.
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